A paixão daquele homem por livro era tão
grande que fez o seguinte. Como tinha o hábito de andar pelo Saara com seus
camelos, assinalou cada um deles de acordo com o alfabeto árabe. Assim, quando
se reuniam, para viajar, cada camelo assumia o seu lugar, na comitiva, de
acordo com a letra que representava. Assim, se o dono dos camelos queria saber
onde estava determinado livro, coisa que sempre levava em suas viagens, sabia,
pelo menos, onde o procurar porque, assim como os ruminantes, estavam
organizados em ordem alfabética.
Michel de Montaigne é outro apaixonado por
livro. Filósofo quinhentista dizia, recolhido em sua torre redonda ao lado do
palácio onde morava, na França, que não conseguia entender como certas pessoas
não adquiriam o hábito de ler já que, para ele, pelo menos, era a coisa mais
agradável que existia no mundo. Por isso mesmo tinha pena daqueles que sabiam
ler, mas não se preocupavam com isso. Mário Quintana, por sinal, poeta gaúcho
que morreu em 1994, dizia algo parecido. Para ele o verdadeiro analfabeto não é
aquele que não sabe ler, mas aquele que, mesmo sabendo ler, não dedica uma
parte de seu tempo para se deliciar com um poema ou um romance.
No Dia Internacinal do Livro, comemorado
hoje, 23 de abril, quando Miguel de Cervantes morreu na Espanha em 1616 e
Shakespeare na Inglaterra no mesmo dia e no mesmo ano, nem a Secretaria de
Cultura do Estado do Ceará nem a de Cultura do Município, têm qualquer
programação. Telefonando para as duas, há projetos antigos, que estão em
andamento, na Secult e, na Secultfor nada foi informado. Tratado como se não
existisse, portanto, o livro, no Ceará, é quase uma incognita. A Biblioteca
Pública Menezes Pimentel , até recentemente, não tinha, sequer, água nos
banheiros quanto mais acervo em boas condições e a Biblioteca Dolor Barreira,
do Município, anda a passos lentos desde que saiu do prédio que estava para
cair, na Av. da Universidade, e foi para outro, na mesma rua mas, ainda assim,
insuficiente.
Livro
no Brasil
A história do livro no Brasil, aliás, é um
desastre. Colonizado por Portugal, o livro só começou a circular no País em
1808 quando a Família Real veio de Portugal para a terra dos Vice-Reis. Aqui,
se localizou no Rio de Janeiro e, para que o Regente e, depois, Rei, dom João
VI, pudesse assinar seus decretos, foi montada uma tipografia. A primeira que,
de fato, funcionou no Brasil porque a que foi montada no século XVIII foi
quebrada. Marquês de Pombal, preocupado com a possibilidade de os livros e,
pior do que eles, os jornais, funcionar na colônia e, com o tempo, se
manifestar algum tipo de inteligência onde, até então, só havia imperado a
ignorância, mandou quebrar a tipografia e, para ter certeza de que suas ordens
foram atendidas, exigiu que as peças da tipografia fossem levadas para Portugal
e postas aos pedaços a seus pés.
Com dom João VI no Brasil alguma coisa mudou.
Destinado a melhorar um pouco mais a situação financeira, econômica e até
política do País, dom João não só mandou montar uma tipografia. Trouxe, de
Portugal, a antiga Real Biblioteca da Ajuda, mais conhecida como dom José, que
foi o início da atual Biblioteca Nacional que, atualmente, se localiza no Rio
de Janeiro. Dentre os livros trazidos por ele em um dos navios que o acompanhou
para a Bahia e, depois, para o Rio de Janeiro, estão obras primas da Idade
Média e primeiras edições publicadas, ainda, por Gutenberg. E não é só. Dom
João também trouxe cartas de reis e rainhas. E uma relíquia. Verdade ou não, há
quem diga que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui, em meio a 15
milhões de peças, os cachos dourados que pertenceram àquela que, depois de
morta foi rainha, segundo Camões, Inês de Castro.
Descoberto no dia 22 de abril de 1500 (data
que, por sinal, foi comemorada ontem, terça-feira) o Brasil passou três séculos
(de 1500 a 1808) sem condições de transformar os brasileiros em leitores. A
herança, como se vê, é terrível. E as consequências mais terríveis ainda.
Comemorar o Dia Internacional do Livro em um país como este, portanto, é quase
como comemorar algo que não existe ou, se existe, ainda não penetrou,
totalmente, na alma do povo. Um país, no entanto (era o que dizia
Monteiro Lobato) se faz com homens e livros. Homens não faltam no Brasil. Nem
mulheres encantadoras. Livro, no entanto, é para poucos. Pergunte à Valesca
Popozuda, por exemplo, a Pensadora, se já leu algum livro na vida?
NATALÍCIO
BARROSO
Da Redação
Fonte: Jornal O Estado CE
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