Por Ricardo Costa, da Redação.

Os requisitos para a criação de
municípios devem levar em conta estudos técnicos e não interesses políticos
Embora a criação de novos municípios seja baseada
no discurso que argumenta distribuir renda e melhorar a qualidade de vida da
população, as últimas seis cidades criadas no Ceará, entre 1991 e 2000, não
conseguiram prosperar significativamente seus indicadores. Estudos realizados
pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) revelam que
essas cidades enfrentam dificuldades na gestão, principalmente no que se refere
à capacidade de arrecadação própria, e mantêm nível de desenvolvimento entre
regular e moderado.
Para especialistas cearenses, os critérios utilizados para a emancipação estão
mais relacionados a interesses políticos do que propriamente aos resultados de
estudos técnicos que confirmem a capacidade dos distritos para se tornarem
municípios. Isso faz com que grande parte das cidades criadas enfrentem
problemas em relação à sustentabilidade econômica, as tornando cada vez mais
dependentes dos repasses financeiros estaduais e federais.
A criação, fusão ou desmembramento de municípios foi deixada inteiramente sob a
responsabilidade estadual, na Constituição de 1988, exigindo consulta popular
local através de plebiscito. Porém, com a prerrogativa das assembleias de
estabelecer lei complementar estadual sobre o tema, os critérios definidos
viabilizaram a criação de número expressivo de cidades e, na prática, foram
observadas sérias dificuldades econômicas.
Em razão disso, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 15/1996,
estabelecendo que a criação dos municípios ocorreria mediante lei estadual, mas
dentro de um período determinado por meio de lei complementar federal. Além
disso, o dispositivo exigia a criação de uma lei para disciplinar a realização
de estudo de viabilidade municipal, embora não tenha deixado claro se a
aprovação desse dispositivo ficaria a cargo da esfera estadual ou federal.
Vários projetos foram apresentados no Congresso sobre o tema, mas ainda não há
proposta aprovada.
Critérios
A Assembleia Legislativa do Ceará criou, então, uma lei complementar estadual
tratando do assunto em 2009. A partir daí, foi realizado um estudo de
viabilidade em 45 localidades que manifestaram interesse em se emancipar. Para
isso, precisavam obedecer critérios como ter mais de oito mil habitantes, 40%
da população ter título de eleitor e renda que comprove a viabilidade
econômica.
Pelo menos 30 decretos legislativos foram aprovados e enviados ao Tribunal
Regional Eleitoral (TRE) para a realização dos plebiscitos, porém a Corte negou
fazê-los por não haver lei complementar federal reguladora do tema. A
Assembleia entrou com recurso no Tribunal Superior Eleitoral e aguarda decisão
para criar essas cidades. Outros dez distritos ainda aguardam decisão dos deputados
para se emanciparem.
Enquanto o Ceará se mobiliza para criar novas cidades, o Índice Firjan de
Gestão Fiscal (IFGF), desenvolvido para avaliar a qualidade administrativa dos
municípios brasileiros e divulgado no ano passado, expõe que todas as 54 cidades
emancipadas desde 2001 têm revelado gestão crítica no que se refere à receita
própria.
Os seis municípios cearenses mais recentes foram criados entre 1991 e 2000, mas
o estudo, realizado observando o período entre 2001 a 2010, mostra que
Ararendá, Catunda, Choró, Fortim,
Itaitinga e Jijoca de Jericoacoara têm dificuldades críticas em relação à
receita própria, que corresponde a arrecadação através de impostos como IPTU e
ISS. No que se refere a pessoal, quatro dessas cidades revelam dificuldade e apenas
duas têm boa gestão. Em investimentos, Catunda tem gestão crítica; Choró e Fortim apresentam dificuldades; e
Ararendá, Itaitinga e Jijoca mantêm boa gestão.
Já o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, com base no ano de 2010 e
divulgado no ano passado, revela que, dos seis municípios cearenses mais
recentes, Ararendá e Choró apresentam desenvolvimento regular, enquanto
Catunda, Fortim, Itaitinga e Jijoca
de Jericoacoara têm desenvolvimento moderado. Esse estudo leva em conta as
áreas de saúde, educação e emprego e renda.
Arrecadação
O economista Aécio Oliveira, professor da Universidade Estadual do Ceará (UFC),
afirma que é importante considerar os fatores econômicos e sociais para que os
municípios criados não enfrentem graves problemas econômicos. "Toda
arrecadação tributária pressupõe uma base fiscal, que está associada à base
econômica. A base econômica envolve atividades desenvolvidas em agricultura,
comércio e indústria. É preciso o estudo, com parâmetros de municípios
emancipados há mais tempo, para ver a arrecadação própria e a base
econômica", diz.
Outro aspecto que precisa ser observado, adverte o professor Aécio Oliveira,
está relacionado à demografia e à demanda da população por serviços básicos,
como por exemplo saúde e educação. "Tem que analisar as possibilidades de
recursos federais nas áreas de saúde, educação e saneamento, por exemplo.
Deveria ter um estudo bem cuidadoso mesmo", opina. Mas, na prática, Aécio
Oliveira explica que têm mais peso o fator político.
"Se você faz um estudo desse, mais amplo possível, você chama a comunidade
para ela falar também. Fizemos o estudo, e agora é a voz dos habitantes, em uma
grande assembleia. É um exercício de democracia direta, na verdade. Daí, sim,
as pessoas poderiam ter condições de se manifestar pelo sim ou pelo não (da
criação das cidades)", declara o professor.
Pressão política
Como isso geralmente não é feito, as novas cidades enfrentam problemas. Aécio
Oliveira aponta que uma alternativa para que esses municípios saiam das crises
é fazer uma pressão política organizada sobre Estado e União, com participação
da população para definir as prioridades. "Não foi aprovada a emancipação?
Alguém tem que responder por isso. Não se pode criar cidade sem ter condição. O
problema é que tem interesse político por trás", considera o professor,
acrescentando que reverter a emancipação seria uma saída aos problemas, porém
frustrante para a população.
O cientista político Josênio Parente, professor da UFC, explica que o
surgimento de novos municípios tem caráter político e, geralmente, é defendido
por um grupo oposicionista que se beneficiaria com uma nova estrutura
administrativa. Além disso, ele aponta que pode haver descontentamento de quem
está gerindo a cidade original em razão da divisão dos recursos oriundos da
União e dos estados. "O fator político é por conflitos locais",
entende o pesquisador.
Josênio lembra que, para que um distrito seja emancipado, é preciso que o grupo
político interessado convença a população, que se posicionará sobre o tema
através de plebiscito. "A população é quem vai dar um parecer final. Ela
tem que sentir que há necessidade, e a oposição precisa convencer de que a
divisão vai beneficiá-la", diz. Porém, na prática, a divisão pode
dificultar. Com a emancipação, há também a necessidade de estabelecer uma nova
estrutura administrativa. "Você vai formar novos vereadores, secretários,
e isso também requer recursos", diz.
O Congresso ainda precisa votar a Lei Complementar Federal que devolve às
assembleias legislativas a autonomia de criar municípios. Josênio Parente diz
ser favorável à lei, mas pondera que é precisa fazer um contraponto para evitar
excesso na criação de municípios, envolvendo parlamentares e a sociedade na
decisão. "A população tem que ter um peso mais significativo na decisão
para não deixar a demagogia de políticos se sobressair", declara Josênio
Parente.
BEATRIZ JUCÁ
REPÓRTER