Por Pe. Francisco José, de Fortaleza – CE.
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Batismo realizado no município de Aquiraz - CE. |
1. Introdução
A Ortodoxia não é um tipo de Catolicismo Romano sem o
Papa, mas sim alguma coisa muito diferente de qualquer outro sistema religioso
do ocidente. No entanto, aqueles que olharem mais de perto esse "mundo
desconhecido”, nele descobrirão muita coisa que, mesmo diferente, é, ao mesmo
tempo, curiosamente familiar, "mas isto é aquilo no qual sempre
acreditei!." Esta tem sido a reação de muitos ao aprender, mais
profundamente, sobre a Igreja Ortodoxa e sobre o que ela ensina; e eles estão
parcialmente certos. Por mais de novecentos anos, o Oriente Grego e o Ocidente
Latino têm se desenvolvido firmemente separados cada um seguindo seu próprio
caminho, tendo tido, no entanto, solo comum nos primeiros séculos da
Cristandade. Atanásio e Basílio viveram, no oriente, mas eles pertencem,
também, ao ocidente; e Ortodoxos que viveram na França, Bretanha ou Irlanda
podem, por sua vez, olhar para os santos nacionais dessas terras — Albano e
Patrick, Cuthbert e Bede, Geneviéve de Paris e Augustine de Canterbury — não
como estranhos, mas como membros de sua própria Igreja. Toda a Europa foi um
dia tão parte da Ortodoxia como a Grécia e a Rússia são hoje em dia.
Robert Curzon, viajando pelo Levante nos anos de 1830 à
procura de manuscritos, que pudesse comprar por preço de barganha, ficou
desconcertado ao descobrir que o Patriarca de Constantinopla nunca tinha ouvido
falar do Arcebispo de Canterbury. As questões que se põe, certamente, mudaram,
desde então. As viagens tornaram-se, incomparavelmente, mais fáceis; as
barreiras físicas foram derrubadas. As viagens não são sequer necessárias
atualmente: um cidadão na Europa Ocidental ou da América não precisa mais
deixar seu país para observar a Igreja Ortodoxa em primeira mão. Gregos
viajando para o leste por escolha ou necessidade econômica, e Eslavos que
tomaram a direção do leste fugindo às perseguições, trouxeram sua igreja
consigo, estabelecendo, por toda a Europa e América, uma malha de dioceses,
paróquias, colégios teológicos e mosteiros. Mais importante de tudo, em muitas
comunidades diferentes, no século presente houve um crescimento de um desejo
sem precedente e compelidor pela unidade visível de todos os Cristãos; e isso
deu origem a um novo interesse pela Igreja Ortodoxa. A diáspora Grego-Russa
espalhou-se pelo mundo ao mesmo tempo em que cristãos ocidentais, em sua
preocupação pela unidade, tomavam consciência da relevância da Ortodoxia, e
ansiavam por conhecer mais sobre ela. No diálogo ecumênico, a contribuição da
Igreja Ortodoxa tem se mostrado surpreendentemente iluminadora, precisamente
porque os ortodoxos têm uma história diferente da história dos ocidentais,
tendo sido capazes de abrir novas linhas de pensamento e sugerir soluções de há
muito esquecidas para antigas dificuldades.
Nunca faltaram ao Ocidente homens cuja concepção de
cristandade não era restrita a Canterbury, Genebra e Roma; porém, no passado,
tais homens eram vozes que clamavam no deserto. Agora não é mais assim. Os
efeitos de uma alienação que durou mais do que nove séculos, não podem ser
superados em curto prazo, mas ao menos se deu início.
O que se entende por "Igreja Ortodoxa?” As divisões
que resultaram na fragmentação presente da cristandade ocorreram em três
estágios, a intervalos de aproximadamente quinhentos anos. O primeiro estágio
da separação ocorreu no quinto e sexto séculos, quando as Igrejas Orientais
"Menores" ou "Separadas" tornaram-se divididas do corpo
principal dos cristãos. Essas Igrejas formaram dois grupos: a Igreja nestoriana
da Pérsia e as cinco Igrejas monofisitas da Armênia, da Síria (denominada Igreja
"Jacobita"), no Egito (a Igreja Copta da Etiópia e da Índia). Os
nestorianos e monofisitas estiveram fora da consciência ocidental ainda mais
completamente, do que vieram a estar fora da consciência da Igreja Ortodoxa
mais tarde. Quando Rabban Sauma, um monge nestoriano de Pequim, visitou em 1288
(ele viajou até Bordeaux, onde deu comunhão para o Rei Eduardo I da
Inglaterra), ele discutiu teologia com o Papa e com Cardeais em Roma, e parece
que esses não se deram conta que de seu ponto de vista era o de um herético.
Como resultado da primeira divisão, a Ortodoxia tornou-se restrita, em seu lado
oriental, principalmente ao mundo de língua Grega. Ocorreu então a segunda
separação, convencionalmente datada em 1054. O corpo principal dos cristãos
torna-se então dividido em duas comunhões: na Europa ocidental a Igreja
Católica Romana, sob o Papa de Roma; no Império Bizantino, a Igreja Ortodoxa do
Oriente. A Ortodoxia estava agora limitada no seu lado Ocidental também. A
terceira separação, entre Roma e os Reformadores no século XVI não vai nos
ocupar diretamente aqui.
É interessante notar como coincidem as divisões culturais
e eclesiásticas. O Cristianismo enquanto universal em sua missão tendeu, na
prática, a estar associado com três culturas: a Semítica, a Grega e a Latina.
Como resultado da primeira separação, os semíticos da Síria, com sua
florescente escola de teólogos e escritores, foram afastados do resto da
cristandade. Seguiu-se a segunda separação, que abriu uma fenda separando as
tradições grega e latina no cristianismo. No entanto, não se deve concluir
apressadamente que a Igreja Ortodoxa é exclusivamente grega e nada mais, tendo
em vista que padres siríacos e latinos também têm lugar na tradição ortodoxa
completa.
Enquanto a Igreja Ortodoxa tornava-se limitada, geograficamente,
primeiro no Oriente e a seguir no Ocidente, ela expandia-se para o Norte. Em
863, São Cirilo e São Metódio, os Apóstolos dos Eslavos, viajaram para o Norte
para realizar trabalhos missionários além das fronteiras do Império Bizantino,
e seus esforços contribuíram para a conversão da Bulgária, Sérvia e Rússia.
Enquanto o Império Bizantino encolhia, essas novas Igrejas cresciam em
importância e, quando Constantinopla foi tomada pelos Turcos em 1453, o
principado de Moscou estava pronto para assumir o lugar de Bizâncio como
protetor do mundo Ortodoxo. Durante os últimos 150 anos houve uma reversão
parcial dessa situação. Apesar de Constantinopla ainda permanecer em mãos
Turcas, uma pálida sombra de sua glória anterior, a Igreja da Grécia está
novamente livre; mas a Rússia e outros povos Eslavônicos passaram, por sua vez,
a viver sob as regras de um governo não-cristão.
Estes são os principais estágios que determinaram o
desenvolvimento externo da Igreja Ortodoxa. Geograficamente, sua atuação se
deu, nos primórdios, na Europa Oriental, na Rússia e ao longo da costa oriental
do Mediterrâneo. Ela é composta, atualmente, pelas seguintes Igrejas
Auto-governadas ou autocéfalas: Os quatro antigos Patriarcados: Constantinopla,
Alexandria, Antioquia e Jerusalém.
Apesar de muito reduzidos em tamanho, essas quatro
Igrejas, por razões históricas, ocupam posição especial na Ortodoxia, tendo
primazia em honra. Os chefes dessas quatro Igrejas usam o título de Patriarca.
Outras dez Igrejas Autocéfalas: Rússia, Romênia, Sérvia,
Bulgária, Geórgia, Chipre, Polônia, Albânia, Tchecoslováquia e Sinai.
Todas, exceto três dessas Igrejas - Tchecoslováquia,
Polônia e Albânia - estão em países onde a população é inteiramente constituída
de não-gregos; cinco das outras - Rússia, Sérvia, Bulgária, Tchecoslováquia,
Polônia - são Eslavônicas. Os chefes das Igrejas Russa, Romena, Sérvia e
Bulgária são conhecidos pelo título de Patriarcas. O chefe da Igreja da Geórgia
é chamado Patriarca Católico; os das outras Igrejas são chamados de Arcebispos
ou Metropolitas.
Existem ainda várias outras Igrejas que, apesar de
autogovernadas, não atingiram total independência. Elas são denominadas
autônomas, não autocéfalas. São elas: Finlândia, Japão e China.
Existem províncias eclesiásticas na Europa Ocidental, nas
Américas do Norte e do Sul e na Austrália que dependem de diferentes
Patriarcados e de Igrejas Autocéfalas. Em algumas áreas, essa
"diáspora" ortodoxa está lentamente adquirindo auto-governo. Em
particular, passos têm sido dados para formar uma Igreja Ortodoxa Autocéfala na
América, mas isso ainda não foi oficialmente aceito pela maioria das outras
Igrejas Ortodoxas.
A Igreja Ortodoxa é assim uma família de Igrejas
autogovernadas. Estão agrupadas não por uma organização centralizada, não por
um único Prelado exercendo poder absoluto sobre todo o corpo da Igreja, mas
pela dupla ligação: unidade da fé e comunhão nos sacramentos. Cada Igreja,
ainda que independente, está em completa concordância com as outras quanto à
doutrina, e entre elas existe uma completa comunhão sacramental. (Entre os
russos ortodoxos existe certa divisão mas, nesse caso, a situação é totalmente
excepcional e, espera-se, de caráter temporário). Não existe, na Ortodoxia,
ninguém com uma posição equivalente a do Papa na Igreja Católica Romana. O
Patriarca de Constantinopla é conhecido como Patriarca "Ecumênico"
(ou universal) e, desde o cisma entre Oriente e Ocidente desfruta de uma
posição de honra entre todas as comunidades ortodoxas; Ele não pode, no
entanto, interferir nos assuntos internos de outras Igrejas. Seu lugar
assemelha-se ao do Arcebispo de Canterbury, na comunidade Anglicana.
Esse sistema descentralizado de Igrejas locais
independentes tem vantagens por ser altamente flexível e facilmente adaptado a
condições mutáveis. Igrejas locais podem ser criadas, suprimidas e restauradas
de novo, com muito pouca perturbação para a vida da Igreja como um todo. Muitas
dessas Igrejas locais são também Igrejas nacionais, pois, durante o passado, em
países Ortodoxos, Igreja e Estado estavam unidos. Mas, enquanto um Estado
independente freqüentemente possui sua própria Igreja Autocéfala, as divisões
eclesiásticas, não necessariamente, coincidem com os limites geográficos dos
Estados. A Geórgia, por exemplo, fica dentro da antiga União Soviética, mas não
é parte da Igreja Russa, enquanto que os territórios dos quatro antigos
Patriarcados estão, praticamente, em vários países diferentes. A Igreja
Ortodoxa é uma Federação de Igrejas locais, que nem sempre são Igrejas
nacionais. Ela não tem como sua base o princípio político da Igreja de Estado.
Entre as várias Igrejas existem, como pode ser visto, uma
enorme variação em tamanho, com a Rússia em um extremo e Sinai no outro. As
diferentes Igrejas também variam em idade, algumas datando desde os tempos
Apostólicos, enquanto outros são mais novas que uma geração. A Igreja da
Tchecoslováquia, por exemplo, só obteve sua autocefalia em 1951.
Essas são as Igrejas que fazem a comunhão Ortodoxa como
ela é hoje. Elas são conhecidas, coletivamente, por vários títulos. Algumas
vezes são chamadas de Gregas ou Greco-Russa; mas isso não é correto, pois
existem milhares de Ortodoxos que não são nem Gregos, nem Russos. Os Ortodoxos,
freqüentemente, chamam suas Igrejas de Igreja Ortodoxa Oriental, Igreja Católica
Ortodoxa ou Igreja Católica Ortodoxa do Oriente, ou algo parecido.
Esses títulos não devem ser mal entendidos, pois enquanto
a Ortodoxia considera-se a verdadeira Igreja Católica, ela não é, no entanto,
parte da Igreja Católica Romana; e apesar da Ortodoxia chamar-se de Oriental,
não é algo limitado ao povo oriental. Outro nome muito empregado é Santa Igreja
Ortodoxa. Talvez seja menos confuso e mais conveniente, usar-se o título mais
curto: Igreja Ortodoxa.
A Ortodoxia clama ser universal - não alguma coisa
exótica e oriental, mas simplesmente Cristianismo. Por conta das falhas humanas
e dos acidentes da história, a Igreja Ortodoxa esteve no passado muito restrita
a certas áreas geográficas. Ainda assim, para os próprios Ortodoxos, sua Igreja
é algo mais que um grupo de corpos locais. A palavra "Ortodoxia" tem
duplo significado de "crença correta" ou "glória correta"
(ou "louvação correta"). Os Ortodoxos por isso, fazem algo que, a
primeira vista, pode ser uma afirmação surpreendente: eles olham sua Igreja
como a Igreja que guarda e ensina a verdadeira doutrina sobre Deus e que O
glorifica com a correta louvação, isto é, nada menos do que a Igreja de Cristo
na Terra.