domingo, 15 de fevereiro de 2015

Aquiraz: Iracema em Alemão

TRADUTORA QUER APOIO DE MONTADORA COMPATRIOTA
Ingrid Schwamborn, 75: fascínio por Alencar e Rachel em forma de traduções

A tradutora alemã Ingrid Schwamborn, 75, se divide entre a casa dela na Prainha (Aquiraz) e a residência em Bonn, na Alemanha. São seis meses para lá e seis para cá. Veio para o Ceará em 1968, com o marido, então diretor da Casa de Cultura Alemã da UFC. Em 2006, traduziu Iracema, clássico de José de Alencar. Na última terça, ela leu matéria assinada pelo redator da Coluna direto de Iracemápolis (SP), que ela não conhecia, e procurou Vertical S/A. A matéria falava da nova fábrica da Mercedes-Benz. Agora ela vai tentar relançar com apoio da montadora compatriota, cuja história também se confunde com a dela.



VERTICAL S/A - Como surgiu a ideia de fazer a tradução de Iracema para o alemão?


INGRID SCHWAMBORN - Isso já foi a minha segunda tradução. A primeira foi com ‘O Quinze’. Quando cheguei ao Ceará, o primeiro livro que recebemos de presente do então reitor da Universidade (hoje UFC), Martins Filho, foi Iracema. Nós chegamos em 1968 e este livro foi publicado em 1965. Centenário da edição de Iracema. Um livro grande e bonito. Eu olhei e pensei: um dia vou querer entender e traduzir este livro. 


VSA - Este dia chegou depois de quanto tempo?


INGRID – Trinta anos. Porque a primeira tradução verdadeira comecei foi de ‘O Quinze’. Porque era mais ligado ainda ao Ceará e foi naquele tempo que sabia que a Rachel de Queiroz estava na Fazenda, e foi um dos poucos livros que não foi traduzido daqueles escritos naquele tempo. Então pensei: é a minha chance. Um livro que ninguém conhece na Alemanha, sobre o Ceará e a autora por perto. Aí fui lá com um amigo à fazenda (“Não me deixes”). E ela logo ficou alegre e tão acolhedora que ela disse: ‘pode traduzir. Será um grande prazer’. Ela tinha confiança em mim. Não tinha traduzido nada antes. Durante dois anos, quando morei no Rio depois, ela morava perto e fui muito à casa dela lá. Ela me explicou, me ajudou. Foi maravilhoso.



VSA - Nesta nova edição de Iracema qual a sua meta? 


INGRID - Eu vi a edição bilíngue da Angela Gutierrez e do professor Sânzio de Azevedo no ano do Brasil na França, em 2005. Então pensei, esta seria a gora de fazer hora de fazer a versão Português-Alemão de Iracema. O reitor na época, René Barreira, muito ligado à Alemanha, tem parentes lá, apoiou o projeto porque era durante a Copa do Mundo. Gilberto Gil (então ministro da Cultura) tinha feito o programa Copa da Cultura. Pensei. Esta é a chance. A Maria Elias topou, uma amiga já. Eu preparei a tradução em 2006. A gente queria publicar durante a Copa. Mas ficou para novembro de 2006. Foi lançado em Berlim, mas numa edição de apenas 300 exemplares.



VSA – E agora?


INGRID – Pelo menos, mil exemplares. Será edição ampliada. Era mais artesanal. Desta vez a ortografia mudou. Augusto Bezerra e Maria Elias são organizadores. Vamos usar fac símiles da segunda edição que Augusto tem na biblioteca dele. Ele vai fazer ensaio sobre as primeiras edições de Alencar. Esta segunda edição tem texto de Alencar em que ele se defende de escritor português para usar o português diferente de Portugal. Ele faz a defesa de uma linguagem brasileira. Estou relendo tudo até o final de março e revendo todo o texto. Espero que a Mercedes se interesse e quero oferecer uma edição avulsa para eles, para entenderem Iracema. 



VSA - Qual a sua relação histórica com a marca?


INGRID - Meu pai era diretor de construção da Mercedes. E todo a nossa vida era ligada à Mercedes. Quando saía novo modelo, a gente tinha de testar. Minha mãe, minha irmã, nós quatro. E depois do passeio a gente tinha de cobrir com uma capa, para ninguém ver. Isso era nos anos 1950.



VSA – Como você trabalha a essência do texto original na tradução?


INGRID– De certa maneira, a experiência em traduzir ajuda. Conhecer a vida do autor é importante. Viver aqui ajuda. Já foi publicada uma versão em poemas, em alemão, mas quase ninguém conhece. Em prosa, acho que muitas pessoas já tentaram, mas desistiram. Existe uma tradução inglesa, uma espanhola e teria uma árabe, mas nunca vi. Tem uma em esperanto feita aqui em Fortaleza. Minha tese de doutorado foi sobre os romances indianistas de Alencar (“A recepção dos romances indianistas de José de Alencar”). Pesquisei Guarani, Iracema, Ubirajara. Conhecendo a linguagem que ele usa e as expressões indígenas. Ele usou um monte destas expressões. E também dá as fontes. Fui atrás das fontes de Alencar. Isto me deu a capacidade de entender Iracema. E também tem a uma certa intuição para chegar ao tom.



VSA - O que mais fascina em Iracema?


INGRID - Iracema é u mito de fundação. Este é o fundo da história. O Brasil era muito novo, não tinha história própria. Esta história ajudou a criar identidade como brasileiro. São duas coisas. O texto mesmo e a recepção. O primeiro que viu foi Machado de Assis. Aqui no Ceará recusaram, acharam uma coisa estranha. Aos poucos a história se confirmou. O aspecto da nacionalidade. Esta cidade, Iracemápolis é de 1923, foi depois da Semana de Arte Moderna (1922). Imagine, mudar um nome conforme uma figura de um romance, que força tem esta história!




Fonte: Colunas Vertical S/ A – Jornal O povo (15/ 02/ 15)

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