O crescimento da população 'flutuante', aliado à disputa
por espaços para realização de serviços turísticos, traz vários riscos à vila
praiana
Aracati. Canoa está transformada. A beleza natural,
que parecia permanente, perde cor a depender do dia e da hora. Em alguns
períodos é o dia todo. Ou a temporada. A vila praiana mais famosa e visitada do
Ceará sofre por excesso. Vitimada por ser bonita demais. Muita gente, lixo
demais, esgoto demais, água no limite, energia elétrica também. A demanda
gerada pela população flutuante deixa marcas perigosas que vão da pedra de
crack à poeira das falésias em desconstrução pelos carros que passam. O
"Quebrada" pode ser emendado por "insustentável". Uma vila
praiana bela e atraente que ainda tenta caber em si.
A forte ocupação, gerada
pelo turismo de três décadas, torna visível uma linha tênue entre o sucesso e o
fracasso, evidência de uma óbvia disputa por espaços. Na praia, as barracas
competem com as falésias enquanto as ondas da maré alta banham o que tem pela
frente; na vila, pousadas, restaurantes e vendedores ambulantes competem pelo
real cambiado de dólar e euro; nas dunas, bugueiros "legais" e "piratas"
brigam em uma das atividades turísticas mais rentáveis; no ar, pilotos de
parapente disputam espaço aéreo e o dinheiro do turista, ao ponto de haver voos
triplos até em tempos de ventos fracos.
O atendimento
desordenado gera falhas que comprometem os serviços. Carros se chocam nos
morros de areia, voadores caem do céu e as ruas secundárias à Broadway (poucos
chamam Rua Dragão do Mar) viram cenário escuro de assaltos. Sem ser diferente
de outras vilas e cidades, nada disso é tão frequente comparado à quantidade de
pessoas que passam por lá, mas tudo se torna evidente por se tratar de Canoa
Quebrada.
Regulamentação
As medidas de regulação
do espaço e dos serviços, quando surgem, têm primeiro o descontentamento dos
regulados. Os presidentes e demais líderes das associações, então, são
considerados os primeiros vilões. Quando os bugues trafegavam de qualquer jeito
sobre as dunas, acidentes eram muito frequentes. Os próprios mantenedores da
atividade perceberam a necessidade de criar uma associação para capacitar e
limitar os permissionários. Mas paralelos aos 65 associados existem outros que
há vários anos tentam entrar na atividade.
Os não cadastrados são
considerados piratas nas dunas e reclamam de corporativismo da Associação de
Bugueiros. "Somos todos pais de família que queremos trabalhar. Porque
eles podem e nós não", reclama Ulisses Sousa, que se admite "pirata".
Responsabilidade
Beto Andrade, presidente
da Associação de Bugueiros, aponta que os acidentes são causados, em geral, por
turistas e bugueiros sem permissão. "O sujeito trabalha de qualquer jeito,
cobra um valor inferior ao mercado, põem em risco a vida dele e dos turistas.
Se acontece um acidente, quem responderá?" Indaga Beto. Para o bugueiro
Wagner dos Santos, as dunas devem ser preservadas. "Se não houvesse limite
de veículos credenciados, não ia caber tanto carro nas dunas e o risco seria maior".
Situação parecida, mas
em estágio ainda anterior, ocorre com os voos livres de parapente. As
abordagens de venda de voos para quem sobe e desce as falésias são apenas o
primeiro estágio de uma competição que segue, ainda, no espaço aéreo. Em
distâncias curtas uns dos outros, pilotos sobrevoam barracas e falésias. Mesmo
com vento fraco, eles arriscam-se também em voos triplos.
No dia 18 de janeiro, a
reportagem flagrou a queda de um parapente com três pessoas a bordo. Dois
turistas de São Paulo, pai e filha, ficaram feridos. O piloto Jerônimo Saunier
teve uma fratura na região da bacia. A Prefeitura de Aracati suspendeu os
passeios até que a atividade seja regularizada.
"Se cobramos que
algum serviço seja feito corretamente, dentro de certos parâmetros, somos vistos
como vilões e às vezes não entendem que estamos pensando isso para o bem delas,
afirma Ruy Lima, dono de pousada e líder na Associação de Empreendedores de
Canoa Quebrada (Asdecq), cujo presidente é Luís Nogueira. "Quando uma
coisa dá errado em um segmento, afeta toda a Canoa, então o que pensamos é para
o bem comum", afirma Luís.
De acordo com
levantamento da Associação, no ano de 2006, havia 45 pousadas em Canoa
Quebrada, com 1.030 leitos. Neste ano, já são 105 pousadas e 3,8 mil leitos.
Canoa inchada
Nas principais datas da
alta estação, há lotação de 100% dos quartos. Ainda mais nas ruas: durante o
Réveillon, registrou-se cerca de 100 mil pessoas na vila. Representa 20 vezes a
população fixa, de aproximadamente 4,5 mil pessoas. A maioria tendo o turismo
como fonte de renda, uma economia que teve início com as barracas de praia. As
atuais 23 estão irregulares por ocuparem Área de Preservação Permanente (APP),
uma disputa no campo jurídico entre empresários e o Ministério Público que
durou até 2013.
Há três meses venceu o
prazo dado pelo Tribunal de Justiça do Ceará para que as barracas sejam
removidas da área considerada de risco. Era uma luta antiga envolvendo
ambientalistas e pessoas da comunidade que apontavam os danos causados atuais e
futuros. A problemática só foi oficialmente levantada depois que houve
desmoronamento em uma falésia, em 2009, deixando três pessoas feridas.
Melquíades Júnior
Repórter
Repórter
Fonte: Regional – Diário do Nordeste (24/ 01/ 15)
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