Distância de mais de 2 mil
quilômetros entre domicílio de cadastro e outro de recebimento anuncia a fraude
Marisqueira de Aracati
consta como recebedora pelo seguro da lagosta em Alcobaça (BA) FOTO: KLÉBER A. GONÇALVES
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O cerco fechando por meio da fiscalização no Ceará é diretamente
proporcional ao aumento no cadastro de seguros em Alcobaça, na Bahia, ou Luís
Correia, no Piauí. Em março deste ano, uma van com alguns pescadores, e muito
mais documentos, estacionava na comunidade de Vila Volta, em Aracati, tendo por
destino outro Estado em que, até então, tem sido menores as exigências
documentais. Não é a busca por menos burocracia, é o desejo de fraudar mesmo.
Entre dezembro de 2013 e maio de 2014, foram realizadas 613 habilitações
para recebimento do seguro-defeso de filiados das colônias de pescadores de
Aracati, Icapuí, Beberibe e Fortim nos estados da Bahia, Piauí, Rio Grande do
Norte, Maranhão e Paraíba. Para o Ministério Público do Trabalho, a divergência
entre endereço de domicílio e de cadastro na colônia são um dos maiores
indícios dessas irregularidades.
Endereços fictícios
Somente em Fortim, 293 filiados na Colônia de Pescadores Z-21 requereram
benefícios nas cidades de Cabedelo (PB) e, principalmente, Alcobaça (BA), esta
fica a mais de dois mil quilômetros distante do município cearense. O número
representa 25,7% do total de cadastrados naquela colônia. No campo "dados
da embarcação", por sua vez, havia endereço de ainda outros Estados. Dito
de outro modo: um "pescador" cearense, com cadastro de domicílio no
Sine da Bahia e atuando em uma embarcação do Espírito Santo, recebe as seis
parcelas do seguro da lagosta na agência da Caixa Econômica em Aracati (CE).
"Tem pouco tempo a última vez que o carro esteve aqui. Tem uns
pescadores que moram lá, mas outros nem pescam mais. Eles vêm aqui e pegam o
documento de outras pessoas da comunidade e lá ficam com a parte deles",
explica Julião (nome fictício), pescador da localidade de Parajuru, em
Beberibe.
O 'pouco tempo' foram cinco semanas, em que um carro com placa de
Alcobaça fez a visita à comunidade. Em março deste ano, outro carro esteve em
Acaraú e Itarema, no Litoral Oeste, levando documentos de
"pescadores" para as cidades de Luís Correia e Parnaíba, ambas no
Piauí. Lá, o material entra num esquema que possibilita a inserção no cadastro
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em muitos dos casos, a
irregularidade é percebida antes mesmo da confusão de endereços: o Registro
Geral de Pescador aparece sem o nome da embarcação ou do proprietário.
Divergência
O recebimento no Ceará de pagamentos irregulares de requerentes em
outros Estados é, então, uma das explicações para ter diminuído o número de
pescadores com direito ao seguro e, mesmo assim, registrar expressivo aumento
do custo de benefícios
As 613 habilitações feitas em outros estados a partir dos quatro
municípios cearenses citados anteriormente apontam um prejuízo de,
aproximadamente, R$ 2,2 milhões. "Nós temos esclarecido aos pescadores que
não façam isso, não aceitem entrar nesses esquemas porque é errado e, se a
colônia soubesse antes, não permitiria", afirma Raimundo Ribeiro,
presidente da Federação das Colônias de Pescadores do Estado do Ceará.
Raimundo diz concordar que as fraudes partem do cadastro irregular junto
às colônias, o que deve ser combatido. No entanto, no mesmo dia do encontro com
a reportagem, na Praia de Parajuru, em Beberibe, conhecemos uma dona de casa
aguardando notícias do seu registro: "Não é pra seguro, mas com ele eu
posso pedir a aposentadoria depois de 15 anos". O pedido foi feito na
Colônia Z-11, onde Raimundo Ribeiro também é presidente.
Investigação
A Polícia Federal tem ouvido, no Ceará, representantes do setor de pesca
e presidentes de colônias. De acordo com o delegado Thomas Wlassak, a intenção
é continuar acompanhando esse esquema. Nos últimos dois anos, no Nordeste,
prisões nesse campo têm ocorrido em flagrante, no momento em que os fraudadores
estão sacando dinheiro, com vários cartões de segurados, nas agências da Caixa
Econômica Federal.
Melquíades Júnior
Repórter
Repórter
Fonte: Regional – Diário do Nordeste (01/ 05/ 15)
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