TC U identificou fraude de R$ 19 milhões em 18
meses. Para Ministério Público do Trabalho, é apenas um peixinho
Desde que foi
regulamentado o seguro-desemprego para pescadores artesanais, no ano de 2003, o
número de requerentes ao benefício só aumenta. Por um lado, o benefício ampliou
a formalização e atendimento ao direito desse trabalhador. De outro, o que
poderia ser uma pequena brecha para a corrupção, fez-se uma grande porta.
De 2003 até este ano, foi pago pelo Governo
Federal o montante de R$ 7,1 bilhões em seguro nos estados. Para a Procuradoria
do Trabalho no Ceará, cujo modelo de fiscalização é pioneiro, a estimativa é de
que "ao menos" 50% desse valor tenha caído no bolso de fraudadores em
todo o território nacional.
O município de Salvaterra, no Pará, é um caso
significativo. Saltou de 3 mil, em 2003, para 15 mil pescadores requerentes ao
benefício em 2010. Representa 86% dos 18 mil habitantes do município. Em
Chaval, no Ceará, 146 pessoas receberam o seguro no ano de 2008. Lá, não existe
nenhuma espécie de peixe contemplada no seguro. A desproporcionalidade, ou
abuso da sensação de impunidade, é o primeiro denunciante do problema. Nesses
dois e em outros municípios, a corrupção deixou de correr frouxa. Não corre, entretanto
continua andando.
A primeira das facilidades é a obtenção do
registro profissional junto a uma das centenas de colônias de pescadores
espalhadas pelo País. A partir desse documento, e do título de embarcação
concedido pela Marinha do Brasil, a fraude segue seu curso, conforme detalhamos
o passo a passo na página ao lado.
Irregulares
No município de Fortim, Litoral Leste do
Ceará, dos 1.138 filiados na Colônia de Pescadores Z-21, 293, ou 25,7%, não
deveriam ter recebido, em 2014, as seis parcelas de seguro-desemprego da
lagosta ou as quatro referentes ao defeso da piracema. O valor de cada parcela
é de um salário mínimo (R$ 788 - vigente em 2015). Em Aracati, diversos
pagamentos de seguro foram feitos em nome de supostas mulheres pescadoras da
lagosta. Naquele município, há apenas duas pescadoras do crustáceo em
atividade, segundo o Ministério Público Estadual.
Pará, Maranhão, Bahia, Amazonas e Piauí são,
nessa ordem, os cinco que mais pagaram pelo seguro-defeso do Governo Federal.
Juntos, correspondem ao montante de R$ 5 bilhões dos 7 bilhões desembolsados
desde o ano de 2003.
Os quatro primeiros foram o maior alvo, neste
ano, de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre
operações feitas entre janeiro de 2012 e junho de 2013. Nesse período, 30,2 mil
parcelas foram pagas irregularmente, representando um rombo de R$ 19,5 milhões
aos cofres públicos. Desse total, 19 mil parcelas (R$ 12,4 milhões) foram pagas
a pessoas que tinham registro de emprego formal em outra atividade, o que é
proibido pela Lei 10.779, que rege o setor. Mas havia diversas outras
irregularidades. O Acordão do TCU, auditoria no Ministério do Trabalho e
Emprego, foi concluído e publicado no início deste abril, sendo até agora a
primeira grande investigação divulgada no setor, passados mais de 10 anos desde
que a legislação do Seguro Defeso do Pescador Artesanal (SDPA) foi promulgada.
A dimensão da fraude, no intervalo
investigado de 18 meses entre 2012 e 2013, só foi alcançada graças ao
cruzamento, feito pelo Tribunal de Contas da União, de dados do Ministério do
Trabalho e Emprego com os do Ministério da Pesca, do INSS e da Receita Federal.
Cruzamentos
A ação se deu da seguinte maneira: cruzamento
de registros de pescadores beneficiários com o Cadastro Nacional de Pessoa
Física (CPF), Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Cageb), Sistema
Informatizado de Controle de Óbitos (Sisobi) e Sistema Integrado de
Administração de Recursos Humanos (Siape). Assim, foi possível, por exemplo,
verificar se um beneficiário do seguro-defeso tinha outro trabalho formal
porque pagava o INSS.
O procurador Nicodemos Fabrício Maia, do
Ministério Público do Trabalho, da 7ª Região, no Ceará, aponta diversas outras
formas de fraude que o cruzamento simples de dados é incapaz de encontrar.
Basta que o indivíduo tenha a acreditação dos órgãos de pesca representante
(colônias e secretaria estadual) e sem vínculos com outras atividades
econômicas para que não gere cadastros formais em atividades que
descaracterizem o direito ao seguro-defeso.
É esse o caminho seguido por entidades que
assinaram o termo de cooperação no Ceará para identificar quem é e quem não é
pescador de profissão. "O que se tem descoberto ainda é só uma pequena
parte. É um esquema muito organizado, que já viemos combatendo há algum tempo,
mas em outros Estados, a fraude que encontramos aqui é muito mais comum e essa
é mais difícil de ser descoberta".
Custo real
Dos R$ 7 bilhões pagos de seguro-desemprego
ao pescador artesanal no Brasil, e a grande quantidade, na maioria dos
municípios de pescadores fantasmas em meio aos de verdade, o Ministério Público
do Trabalho acredita que metade, ou R$ 3,5 bilhões, foram para as mãos de
pescadores de mentira. "E o custo é real", conclui Nicodemos.
Somente no Estado do Ceará, ao menos R$ 60
milhões podem ter sido desviados nos últimos cinco anos. Mesmo assim, o Estado
é conhecido como o de maior economia aos cofres públicos, graças à
fiscalização. Embora seja o quarto maior produtor de pescado do País, responde
por apenas 2% de todo o seguro-defeso pago pelo Governo Federal.
Chegou-se a esse índice, mais equilibrado à
realidade e em queda, comparado aos dos anos anteriores, após o termo de
cooperação assinado entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério
Público do Estado do Ceará. Desde então, a Advocacia Geral da União (AGU)
sugere a outros Estados um trabalho semelhante de cooperação.
Melquíades Júnior
Repórter
Repórter
Fonte: Regional – Diário do
Nordeste (30/ 04/ 15)
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