Há 255 anos, nascia no interior
pernambucano Bárbara de Alencar, importante personagem da política do Ceará
Dona Bárbara Pereira de Alencar (1760-1832), uma mulher "à frente
do seu tempo", conseguiu a façanha de escrever o nome no cenário político
do Ceará, graças a sua coragem e ousadia, ao se engajar na luta contra a
opressão do império português. No entanto, durante muito tempo, o seu nome foi
banido da história oficial, embora tenha incorporada uma personagem singular
politicamente. "Ela incorpora o feminismo na política, algo extremamente
raro, sobretudo na época em que viveu, integrando a vanguarda do Ceará",
assinala o historiador Erick Assis de Araújo, professor do mestrado em História
da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e integrante do grupo de pesquisa em
práticas urbanas (Mahis).
Ao completar 255 anos de seu nascimento, no município pernambucano de
Exu, o historiador destaca a importância "da voz que ousou questionar o
discurso do império", sendo punida exemplarmente para que nenhum outro se
atrevesse a repetir tal feito. Nesse sentido, o estudioso ressalta o
"drama humano" vivido por Bárbara de Alencar, torturada e presa em
1817, após ocupar uma das fileiras entre os revoltosos da Revolução
Pernambucana, cujos reflexos foram sentidos na então vila do Crato, onde morava
desde a adolescência.
Bárbara de Alencar foi às últimas consequências na ação corajosa.
Desafia a criação de outro país, conforme defendia a Confederação do Equador,
em 1824, movimento de caráter separatista e republicano, surgido no Nordeste. A
ideia era uma ofensa grave contra o estado português, portanto, a vida de
Bárbara de Alencar não seria poupada caso fosse capturada. Após agonizar em uma
das celas do Forte de Nossa Senhora da Assunção, a saída foi a clandestinidade,
sendo vítima de perseguições e difamações, morrendo em 1832, no município de
Fronteiras, no Piauí. Seu corpo foi sepultado em solo cearense, na cidade de
Campos Sales.
Integrante de família famosa e de influência, portanto, pertencente a
uma elite, Bárbara de Alencar possuía formação política, adquirida pela leitura
de pensadores, em particular os iluministas. Firme nas posturas políticas
assumidas, "algo que se pode destacar é a audácia com que enfrenta o
império", argumenta Erick de Araújo, completando que a personagem inaugura
uma linha de pensamento contestatório na região do Cariri. Assim, inova ao
criar um espaço constante de discussão sobre a postura do governo português,
sendo capaz de articular essas ações, canalizando em movimento político. Não desiste
de seus ideais, seguindo adiante, numa demonstração de coragem e determinação.
Rompe com o pensamento da classe a qual pertencia (era casada com o comerciante
português José Gonçalves dos Santos) e junta-se aos revolucionários.
Coragem
No Brasil, as revoltas sociais costumavam partir das camadas menos
favorecidas, contando com a participação de negros e índios, outra
particularidade na história de Bárbara de Alencar. Não era negra nem índia,
tampouco fazia parte de classe subalterna. Por isso, "não se pode negar a
sua coragem", reitera o historiador, considerando ser esse um dos
principais traços de sua personalidade. Tem atuação política destacada em dois
importantes movimentos localizados no Nordeste do País: a Revolução Pernambucana,
de 1817, e a Confederação do Equador, em 1824.
E foi com ousadia que enfrentou as forças do império português,
considerado algo inusitado. "Enquanto mulher, Bárbara de Alencar entrava
para política e se posicionava contrariamente ao império", enfatiza o pesquisador,
lembrando do contexto sociocultural no qual está inserida a sua história de
vida. Nascida em 1760, sua atuação se dará na primeira metade do século XIX,
daí ser considerada uma mulher "à frente do seu tempo", sobretudo
pelo engajamento político assumido. Bárbara de Alencar viveu num período em que
as mulheres eram preparadas para aprender a cozinhar, costurar, se casar e ter
mais de 10 filhos, assinala.
De maneira inusitada, elege o aspecto político, que viraria prioridade
na vida dessa mulher, que soube conciliar a maternidade e o engajamento com as
lutas sociais. "Dona Bárbara de Alencar inaugura um outro tempo, ao
questionar o senso comum, de que lugar de mulher é na cozinha. Ela desfaz
isso", reforça. Ao entrar para a política, quebra a tradição machista
marcada pela herança masculinizada, em especial no Nordeste, cultura marcada
pelo patriarcalismo. Assim, foi se colocando nos fatos e levou empolgação,
afeto e paixão à política. "Bárbara de Alencar é uma referência no fazer
político que consiste em intervir no coletivo", resume. Esse pensamento
faz falta na política atual.
Ousadia
Mas Bárbara de Alencar pagou caro pela ousadia. O poder imperial não
perdoou os revolucionários, tampouco a ousadia de uma mulher, na época,
primeira metade do século XIX, quando seu papel deveria se resumir aos
trabalhos domésticos, ou seja, no espaço privado da casa. No entanto, mais uma
vez, ousa ao ir para a rua e contestar o poder imperial. Como questiona o
compositor cearense, Ednardo, na letra da música "Passeio Público",
sobre "que sonhos tão loucos foi Bárbara sonhar". Sonhos, no mínimo,
diferentes dos que tinham as mulheres de sua época, tendo o corpo trancafiado em
um minúsculo calabouço do Forte de Nossa Senhora da Assunção, localizado às
margens do riacho Pajeú, ao lado o Passeio Público, local do fuzilamento dos
revolucionários da Confederação do Equador.
Em meio à obscuridade histórica, aos poucos começam a vir à tona
fragmentos de episódios que tentaram a todo custo esconder, privando as novas
gerações de conhecerem a história de Bárbara de Alencar. Desde o ano passado,
tem o nome inscrito no livro dos Heróis da Pátria, mediante a publicação da Lei
13.056. Uma mulher que ousou materializar o sonho de muitos brasileiros: se
livrar do jugo português. Talvez tenha sido esse o grande crime de Bárbara de
Alencar, mãe de três filhos, todos revolucionários. São eles: José Martiniano
Pereira da Alencar, pai do escritor José de Alencar; Tristão Gonçalves de
Alencar, atuou na Revolução Pernambucana e na Confederação do Equador, sendo
morto pelas forças portuguesas, no Ceará; e Carlos José dos Santos.
A militância dos Alencar se deu em família, como aconteceu em 1817, quando
a mãe acompanhada pelos filhos Tristão Gonçalves, José Martiniano de Alencar e
o tio Leonel Pereira de Alencar tentam trazer para o Ceará o embrião libertário
da revolução pernambucana de 1817. O movimento eclodiria na República do Crato,
que não logrou êxito. A revolução foi sufocada e os integrantes todos presos.
Vítima do poder imperial, Bárbara de Alencar foi duplamente violentada. No
corpo e na alma. Bárbara de Alencar é considerada a primeira presa política do
Brasil, permanecendo sua história viva no imaginário do povo cearense e
nordestino, região que traz na sua história traços de rebeldia. Bárbara de
Alencar simboliza bem esse Nordeste que sabe também dizer não.
Ode a Barbara de Alencar
Dona Bárbara de Alencar. Dona Bárbara do Crato. A Brava do Cariri.
Oráculo de Santa Bárbara. Diana do Açu. A Iansã do Araripe. Santa de
Fortaleza. Heroína do Ceará. Mãe da Independência e da República Brasileira.
Minha adorada hexavó, Rainha Esplendorosa dos Álamos do Brasil.
Alta, forte, inteligente e não só no olhar, feições nem tão masculinas,
guerreira, sem dúvida, mas lúcida, bondosa, tantas vezes santa. Uma santa
inusitada, pois teve a glória de morrer já bem idosa, em cama amiga, pedindo
uma simples rede como esquife, dispensando lápides, portanto, mas vendo a
República nascer claudicante mas triunfante, vencedora mesmo, pois já o cruel
tirano português estava fora do Brasil - Bárbara, Mãe do Brasil. Invacilante,
humana, foi uma guerreira piedosa. Perdoou seus inimigos cruéis, sendo
protegida , quando perseguida, até por Matilde Teles, sua maior inimiga.
Ambas meninas de fazendas, extensas fazendas pioneiras, de gado,
algodão, milho, feijão, arroz, abóbora e jerimum, e árvores frutíferas -, duras
meninas de fazendas, sem muitos folguedos, depois matronas de famílias
heroicas; alencares e araripes, martinianos, sucupiras, terésios, cabrais e
quantos mais? e que ela frutuosa prosseguia e inaugurava com seu bravos filhos,
à frente Tristão Gonçalves de Alencar, o Nobre Herói Cearense, depois e para
sempre Araripe, meu admirado e querido pentavô. Tristão Gonçalves de Alencar
Araripe, Pai da Pátria brasileira, Presidente do Ceará, primeiro e único
Presidente eleito da República da Confederação do Equador, logo, primeiro
Presidente Republicano do Brasil, Nobre Príncipe do Araripe. Conquistador de
Aracati, Fortaleza e Aquiraz. Protetor do ouro da República, filho de Dona
Bárbara. Em suas mãos esteve o futuro do Ceará, que ela e ele e os outros
heróis da Confederação do Equador não quiseram que fosse um país separado do
Brasil. Brasileira, portanto, de primeiríssima hora, foi ela a eterna cearense
do Ceará brasileiro. Eis aí a nossa Bárbara maior, a Bárbara de Tiradentes,
Felipe dos Santos, Maria Quitéria, Anita Garibaldi, Zumbi, Frei Tito e Betinho,
e tantos outros, bela síntese de bravos anônimos e injustiçados esquecidos.
Bárbara a mulher brasileira.
Iracema, a de Alencar - eis aí uma forte, dupla face da cultura
cearense, da bela mulher cearense. Uma de verdade, mítica; outra de ficção, mas
até hoje passeando seus lábios de mel nas areias e calçadões da Praia de Iracema,
entre palmas caídas de coqueiros. Quem não quereria uma antiga avó heroica e
bondosa? Uma virgem dos lábios de mel? Existiria harém e Olimpo mais belo e
maravilhoso? E melhores mulheres para os Reis? E melhores dunas (maiores e mais
quentes) para ver tal belo mar? Ou melhores jangadas pra se arriscar ? Ah? O
Ceará, a cearália. Novos rastros de heroínas, nossa heroína maior,
retrato/autorretrato, saudades de vovó. Ouço uma Gymnopédie, uma saudade, de
Eric Satie e a vejo de pé em sua bela fazenda branca e azul de alpendre, dona
de tudo e de todos, conspirando e fazendo caridade, com suas duas escravas
sempre ao lado (seriam também conselheiras de seu Estado Maior?),
abolicionista, antes mesmo de todos, mesmo plantando cana de açúcar e criando
boi naquele lindo e promissor fim-de-mundo duríssimo, a terra do Sol eterno, da
Água Divina e que às vezes vinha do céu - e sempre da Serra do Araripe (ela às
vezes confundia), água dos deuses, e que vinha sempre do céu do Araripe.
Araripe, como ela, é aquele que vê do alto e longe, dizem os índios. E dali ela
viu o Porvir. Oh! Deus, mas como sofreu esta nossa heroína. Ganhou, perdeu
tudo, recuperou, menos os três filhos, e seus tantos amigos leais, suas maiores
riquezas. Vejo-a assim, os cabelos pretos mas já cheios de branco. Mais ou
menos fardada. Três estrelas de comando, três botões republicanos. Sua
cristandade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não, não quis retratá-la
sofrendo na tumba viva da Fortaleza, nem nos ferros que a martirizaram e
tentaram humilhar. Quis retratá-la heroína, triunfante, invacilante na luta
pela justiça, pelas liberdades democráticas na terra brasileira e no mundo.
Proponho uma bandeira branca, branca como a da Confederação do Equador, bordada
por mulheres do Crato. Uma bandeira-relíquia. E também uma outra, verde e
amarela, com seu retrato pintado dentro, uma bandeira nova, que leva a arte
consigo, azul e branca e confederada. Uma bandeira listrada, cheia de cores e
culturas, antepassados, realidades, lutas, presente e futuro. Vitória e gratidão.
Uma bandeira do Brasil para o Brasil.
Iracema Sales/Oscar Araripe
Repórter/Especial para o Caderno 3
Repórter/Especial para o Caderno 3
Fonte: Caderno 3 – Diário do Nordeste (11/ 02/ 15)
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