quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Aquiraz – Aracati | História: A ousadia dos sonhos

Há 255 anos, nascia no interior pernambucano Bárbara de Alencar, importante personagem da política do Ceará



Dona Bárbara Pereira de Alencar (1760-1832), uma mulher "à frente do seu tempo", conseguiu a façanha de escrever o nome no cenário político do Ceará, graças a sua coragem e ousadia, ao se engajar na luta contra a opressão do império português. No entanto, durante muito tempo, o seu nome foi banido da história oficial, embora tenha incorporada uma personagem singular politicamente. "Ela incorpora o feminismo na política, algo extremamente raro, sobretudo na época em que viveu, integrando a vanguarda do Ceará", assinala o historiador Erick Assis de Araújo, professor do mestrado em História da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e integrante do grupo de pesquisa em práticas urbanas (Mahis).


Ao completar 255 anos de seu nascimento, no município pernambucano de Exu, o historiador destaca a importância "da voz que ousou questionar o discurso do império", sendo punida exemplarmente para que nenhum outro se atrevesse a repetir tal feito. Nesse sentido, o estudioso ressalta o "drama humano" vivido por Bárbara de Alencar, torturada e presa em 1817, após ocupar uma das fileiras entre os revoltosos da Revolução Pernambucana, cujos reflexos foram sentidos na então vila do Crato, onde morava desde a adolescência.


Bárbara de Alencar foi às últimas consequências na ação corajosa. Desafia a criação de outro país, conforme defendia a Confederação do Equador, em 1824, movimento de caráter separatista e republicano, surgido no Nordeste. A ideia era uma ofensa grave contra o estado português, portanto, a vida de Bárbara de Alencar não seria poupada caso fosse capturada. Após agonizar em uma das celas do Forte de Nossa Senhora da Assunção, a saída foi a clandestinidade, sendo vítima de perseguições e difamações, morrendo em 1832, no município de Fronteiras, no Piauí. Seu corpo foi sepultado em solo cearense, na cidade de Campos Sales.


Integrante de família famosa e de influência, portanto, pertencente a uma elite, Bárbara de Alencar possuía formação política, adquirida pela leitura de pensadores, em particular os iluministas. Firme nas posturas políticas assumidas, "algo que se pode destacar é a audácia com que enfrenta o império", argumenta Erick de Araújo, completando que a personagem inaugura uma linha de pensamento contestatório na região do Cariri. Assim, inova ao criar um espaço constante de discussão sobre a postura do governo português, sendo capaz de articular essas ações, canalizando em movimento político. Não desiste de seus ideais, seguindo adiante, numa demonstração de coragem e determinação. Rompe com o pensamento da classe a qual pertencia (era casada com o comerciante português José Gonçalves dos Santos) e junta-se aos revolucionários.


Coragem


No Brasil, as revoltas sociais costumavam partir das camadas menos favorecidas, contando com a participação de negros e índios, outra particularidade na história de Bárbara de Alencar. Não era negra nem índia, tampouco fazia parte de classe subalterna. Por isso, "não se pode negar a sua coragem", reitera o historiador, considerando ser esse um dos principais traços de sua personalidade. Tem atuação política destacada em dois importantes movimentos localizados no Nordeste do País: a Revolução Pernambucana, de 1817, e a Confederação do Equador, em 1824.


E foi com ousadia que enfrentou as forças do império português, considerado algo inusitado. "Enquanto mulher, Bárbara de Alencar entrava para política e se posicionava contrariamente ao império", enfatiza o pesquisador, lembrando do contexto sociocultural no qual está inserida a sua história de vida. Nascida em 1760, sua atuação se dará na primeira metade do século XIX, daí ser considerada uma mulher "à frente do seu tempo", sobretudo pelo engajamento político assumido. Bárbara de Alencar viveu num período em que as mulheres eram preparadas para aprender a cozinhar, costurar, se casar e ter mais de 10 filhos, assinala.


De maneira inusitada, elege o aspecto político, que viraria prioridade na vida dessa mulher, que soube conciliar a maternidade e o engajamento com as lutas sociais. "Dona Bárbara de Alencar inaugura um outro tempo, ao questionar o senso comum, de que lugar de mulher é na cozinha. Ela desfaz isso", reforça. Ao entrar para a política, quebra a tradição machista marcada pela herança masculinizada, em especial no Nordeste, cultura marcada pelo patriarcalismo. Assim, foi se colocando nos fatos e levou empolgação, afeto e paixão à política. "Bárbara de Alencar é uma referência no fazer político que consiste em intervir no coletivo", resume. Esse pensamento faz falta na política atual.


Ousadia


Mas Bárbara de Alencar pagou caro pela ousadia. O poder imperial não perdoou os revolucionários, tampouco a ousadia de uma mulher, na época, primeira metade do século XIX, quando seu papel deveria se resumir aos trabalhos domésticos, ou seja, no espaço privado da casa. No entanto, mais uma vez, ousa ao ir para a rua e contestar o poder imperial. Como questiona o compositor cearense, Ednardo, na letra da música "Passeio Público", sobre "que sonhos tão loucos foi Bárbara sonhar". Sonhos, no mínimo, diferentes dos que tinham as mulheres de sua época, tendo o corpo trancafiado em um minúsculo calabouço do Forte de Nossa Senhora da Assunção, localizado às margens do riacho Pajeú, ao lado o Passeio Público, local do fuzilamento dos revolucionários da Confederação do Equador.


Em meio à obscuridade histórica, aos poucos começam a vir à tona fragmentos de episódios que tentaram a todo custo esconder, privando as novas gerações de conhecerem a história de Bárbara de Alencar. Desde o ano passado, tem o nome inscrito no livro dos Heróis da Pátria, mediante a publicação da Lei 13.056. Uma mulher que ousou materializar o sonho de muitos brasileiros: se livrar do jugo português. Talvez tenha sido esse o grande crime de Bárbara de Alencar, mãe de três filhos, todos revolucionários. São eles: José Martiniano Pereira da Alencar, pai do escritor José de Alencar; Tristão Gonçalves de Alencar, atuou na Revolução Pernambucana e na Confederação do Equador, sendo morto pelas forças portuguesas, no Ceará; e Carlos José dos Santos.


A militância dos Alencar se deu em família, como aconteceu em 1817, quando a mãe acompanhada pelos filhos Tristão Gonçalves, José Martiniano de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar tentam trazer para o Ceará o embrião libertário da revolução pernambucana de 1817. O movimento eclodiria na República do Crato, que não logrou êxito. A revolução foi sufocada e os integrantes todos presos. Vítima do poder imperial, Bárbara de Alencar foi duplamente violentada. No corpo e na alma. Bárbara de Alencar é considerada a primeira presa política do Brasil, permanecendo sua história viva no imaginário do povo cearense e nordestino, região que traz na sua história traços de rebeldia. Bárbara de Alencar simboliza bem esse Nordeste que sabe também dizer não.


Ode a Barbara de Alencar


Dona Bárbara de Alencar. Dona Bárbara do Crato. A Brava do Cariri. Oráculo de Santa Bárbara. Diana do Açu. A Iansã do Araripe. Santa de Fortaleza. Heroína do Ceará. Mãe da Independência e da República Brasileira. Minha adorada hexavó, Rainha Esplendorosa dos Álamos do Brasil.


Alta, forte, inteligente e não só no olhar, feições nem tão masculinas, guerreira, sem dúvida, mas lúcida, bondosa, tantas vezes santa. Uma santa inusitada, pois teve a glória de morrer já bem idosa, em cama amiga, pedindo uma simples rede como esquife, dispensando lápides, portanto, mas vendo a República nascer claudicante mas triunfante, vencedora mesmo, pois já o cruel tirano português estava fora do Brasil - Bárbara, Mãe do Brasil. Invacilante, humana, foi uma guerreira piedosa. Perdoou seus inimigos cruéis, sendo protegida , quando perseguida, até por Matilde Teles, sua maior inimiga.


Ambas meninas de fazendas, extensas fazendas pioneiras, de gado, algodão, milho, feijão, arroz, abóbora e jerimum, e árvores frutíferas -, duras meninas de fazendas, sem muitos folguedos, depois matronas de famílias heroicas; alencares e araripes, martinianos, sucupiras, terésios, cabrais e quantos mais? e que ela frutuosa prosseguia e inaugurava com seu bravos filhos, à frente Tristão Gonçalves de Alencar, o Nobre Herói Cearense, depois e para sempre Araripe, meu admirado e querido pentavô. Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, Pai da Pátria brasileira, Presidente do Ceará, primeiro e único Presidente eleito da República da Confederação do Equador, logo, primeiro Presidente Republicano do Brasil, Nobre Príncipe do Araripe. Conquistador de Aracati, Fortaleza e Aquiraz. Protetor do ouro da República, filho de Dona Bárbara. Em suas mãos esteve o futuro do Ceará, que ela e ele e os outros heróis da Confederação do Equador não quiseram que fosse um país separado do Brasil. Brasileira, portanto, de primeiríssima hora, foi ela a eterna cearense do Ceará brasileiro. Eis aí a nossa Bárbara maior, a Bárbara de Tiradentes, Felipe dos Santos, Maria Quitéria, Anita Garibaldi, Zumbi, Frei Tito e Betinho, e tantos outros, bela síntese de bravos anônimos e injustiçados esquecidos. Bárbara a mulher brasileira.


Iracema, a de Alencar - eis aí uma forte, dupla face da cultura cearense, da bela mulher cearense. Uma de verdade, mítica; outra de ficção, mas até hoje passeando seus lábios de mel nas areias e calçadões da Praia de Iracema, entre palmas caídas de coqueiros. Quem não quereria uma antiga avó heroica e bondosa? Uma virgem dos lábios de mel? Existiria harém e Olimpo mais belo e maravilhoso? E melhores mulheres para os Reis? E melhores dunas (maiores e mais quentes) para ver tal belo mar? Ou melhores jangadas pra se arriscar ? Ah? O Ceará, a cearália. Novos rastros de heroínas, nossa heroína maior, retrato/autorretrato, saudades de vovó. Ouço uma Gymnopédie, uma saudade, de Eric Satie e a vejo de pé em sua bela fazenda branca e azul de alpendre, dona de tudo e de todos, conspirando e fazendo caridade, com suas duas escravas sempre ao lado (seriam também conselheiras de seu Estado Maior?), abolicionista, antes mesmo de todos, mesmo plantando cana de açúcar e criando boi naquele lindo e promissor fim-de-mundo duríssimo, a terra do Sol eterno, da Água Divina e que às vezes vinha do céu - e sempre da Serra do Araripe (ela às vezes confundia), água dos deuses, e que vinha sempre do céu do Araripe. Araripe, como ela, é aquele que vê do alto e longe, dizem os índios. E dali ela viu o Porvir. Oh! Deus, mas como sofreu esta nossa heroína. Ganhou, perdeu tudo, recuperou, menos os três filhos, e seus tantos amigos leais, suas maiores riquezas. Vejo-a assim, os cabelos pretos mas já cheios de branco. Mais ou menos fardada. Três estrelas de comando, três botões republicanos. Sua cristandade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não, não quis retratá-la sofrendo na tumba viva da Fortaleza, nem nos ferros que a martirizaram e tentaram humilhar. Quis retratá-la heroína, triunfante, invacilante na luta pela justiça, pelas liberdades democráticas na terra brasileira e no mundo. Proponho uma bandeira branca, branca como a da Confederação do Equador, bordada por mulheres do Crato. Uma bandeira-relíquia. E também uma outra, verde e amarela, com seu retrato pintado dentro, uma bandeira nova, que leva a arte consigo, azul e branca e confederada. Uma bandeira listrada, cheia de cores e culturas, antepassados, realidades, lutas, presente e futuro. Vitória e gratidão. Uma bandeira do Brasil para o Brasil.


Iracema Sales/Oscar Araripe
Repórter/Especial para o Caderno 3




Fonte: Caderno 3 – Diário do Nordeste (11/ 02/ 15)

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