Por Pe. Francisco José, de Fortaleza – CE.
Esses três dias, que a Igreja chama de grandes e santos,
têm, dentro do desenrolar da semana santa, uma finalidade bem definida. Eles
situam as celebrações dentro da perspectiva do Fim, eles nos relembram o
sentido escatológico da Páscoa. Muito freqüentemente a semana santa é
considerada como uma "linda tradição," um "costume," uma
data importante do calendário. É o acontecimento anual esperado e amado, a
Festa "observada" desde a infância, durante a qual a gente se encanta
com a beleza dos ofícios, com o fausto dos ritos, e na qual a gente se ocupa de
preparar a ceia pascal, que não é de menor importância. . . Depois, uma vez que
tudo isto tenha acabado, nós retomamos a vida normal. Mas, teremos mesmo
consciência de que "a vida normal" não é mais possível depois que o
mundo rejeitou seu Salvador, depois que "Jesus ficou triste e abatido..
.," que sua alma "ficou infinitamente triste até a morte. . ." e
que ele morreu na cruz? Foram mesmo homens "normais" que gritaram:
"Crucifica-o!" Homens normais que cuspiram nele e o pregaram na cruz.
. . Se eles o odiaram e o mataram, é precisamente porque ele veio sacudir e
desestabilizar sua vida normal. Foi mesmo um mundo perfeitamente
"normal" que preferiu as trevas e a morte, em lugar da vida e da luz.
. . pela morte de Jesus o mundo "normal," a vida "normal"
foram irrevogavelmente condenados. Ou, mais exatamente, o mundo e a vida
revelaram sua natureza verdadeira e anormal, sua incapacidade de acolher a luz,
o terrível poder que o mal exerce sobre eles. "É agora o julgamento deste
mundo" (João 12:31). A Páscoa de Jesus significa o fim para "este
mundo" e, desde então, ele está "no seu fim." Este fim pode se
estender por centenas de séculos, mas isto não altera em nada a natureza dos
tempos em que vivemos, que é "o último tempo." "O rosto deste
mundo passa" (ICor. 7:31).
Páscoa significa "passagem"; para os judeus a
festa da Páscoa era a comemoração anual de toda sua história, enquanto
salvação, e da salvação enquanto passagem da escravidão no Egito à liberdade,
do exílio à Terra prometida. A Páscoa era também a prefiguração da derradeira
passagem, que conduz ao Reino de Deus. Ele, o Cristo, é o cumprimento da
Páscoa. Ele completou a derradeira passagem, a da morte para a vida, deste
"mundo velho" ao mundo novo, ao tempo novo do Reino. Ele tornou
possível para nós esta passagem. Vivendo "neste mundo," nós podemos
já "não ser deste mundo"; quer dizer, estarmos livres da escravidão
da morte e do pecado, participantes do "mundo que há de vir." Mas, é
necessário para tanto cumprirmos nossa própria passagem, condenar o velho Adão
em nós mesmos, revestir o Cristo na morte batismal e ter nossa verdadeira vida
oculta em Deus com o Cristo, no "mundo que há de vir..."
A Páscoa não é, pois, mais uma comemoração, bonita e
solene, de um acontecimento passado. É o próprio acontecimento manifestado,
dado a nós, acontecimento sempre eficiente, que revela que o nosso mundo, nosso
tempo e nossa vida estão no seu fim, e que anuncia o começo da vida nova. O
papel dos três primeiros dias da semana santa é, precisamente, o de nos colocar
diante do sentido último da Páscoa, de nos preparar para compreendê-la em toda
sua amplidão.
Esta orientação escatológica, quer dizer, última,
decisiva e final, é bem sublinhada pelo tropário comum a esses três dias:
«Eis que aparece o Esposo no meio da noite!
Feliz o cervo que Ele encontrar acordado,
infeliz o que Ele encontrar indolente.
Vigia, pois, ó minh'alma:
não te deixes vencer pelo sono!
À morte tu serias entregue,
para fora do Reino banida.
Mas, acorda e clama:
Santo, Santo, Santo és Tu, ó Deus!
pelas orações da Mãe de Deus,
tem piedade de nós!»
Feliz o cervo que Ele encontrar acordado,
infeliz o que Ele encontrar indolente.
Vigia, pois, ó minh'alma:
não te deixes vencer pelo sono!
À morte tu serias entregue,
para fora do Reino banida.
Mas, acorda e clama:
Santo, Santo, Santo és Tu, ó Deus!
pelas orações da Mãe de Deus,
tem piedade de nós!»
Meia-noite é o instante em que o dia velho termina para
dar lugar a um novo dia. Esta hora é assim para o cristão o símbolo do tempo em
que vive. Por um lado, a Igreja está ainda neste mundo, compartilhando de suas
fraquezas e tragédias. Por outro, seu ser verdadeiro não é deste mundo, pois
ela é a Esposa de Cristo e sua missão é de anunciar e revelar a chegada do
Reino e do novo Dia. Sua vida é um velar perpétuo e uma espera, uma vigília
orientada para a aurora desse novo Dia. . . mas nós sabemos o quanto nosso
apego ao "velho dia," ao mundo, com suas paixões e pecados, permanece
ainda bastante tenaz. Nós sabemos o quanto ainda pertencemos profundamente a
"este mundo." Nós vimos a luz, nós conhecemos o Cristo, nós ouvimos
falar da paz e da alegria da vida nova nele, e, entretanto, o mundo nos mantém
ainda em escravidão. Esta fraqueza, esta constante traição ao Cristo e esta
incapacidade de dedicar a totalidade do nosso amor ao único objeto de amor
verdadeiro, são magnificamente expressadas no exapostilário desses três dias:
«Eu contemplo tua câmara nupcial,
ó Salvador meu!
Ela está toda enfeitada,
e eu não tenho as vestes para nela entrar.
Torna luminosa a roupagem da minha alma,
ó Tu que dás a luz,
e salva-me!»
ó Salvador meu!
Ela está toda enfeitada,
e eu não tenho as vestes para nela entrar.
Torna luminosa a roupagem da minha alma,
ó Tu que dás a luz,
e salva-me!»
O mesmo tema é ainda mais desenvolvido nas leituras do
Evangelho destes dias. Primeiro, é o texto inteiro dos quatro evangelhos (até
João 13:31), lido nas Horas (Prima, Tércia, Sexta, Nona), que mostra que a cruz
é o apogeu de toda a vida de Jesus e de seu mistério, a chave para
verdadeiramente o compreender. Tudo, no Evangelho, conduz a esta última
"hora de Jesus" e tudo deve ser visto sob sua luz. Em seguida, cada
ofício possui seu próprio pericópio de evangelho.
A Segunda-Feira Santa
Nas matinas: Mateus 21:18-43 — a parábola da figueira
estéril, símbolo do mundo criado para dar frutos espirituais e relutante em sua
resposta a Deus.
Na liturgia dos Pré-santifícados: Mateus, 24:3-35 — o
grande discurso escatológico de Jesus, os sinais e o anúncio do Fim. "O
céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão."
A Terça-Feira Santa
Nas matinas: Mateus 22:15 e 23-39 — condenação do
farisaísmo, quer dizer, da religião cega e hipócrita daqueles que pensam que
são condutores de homens e a luz do mundo, mas que, de fato, "fecham o
Reino dos céus aos homens."
Na liturgia dos Pré-santifícados: Mateus 24:36-26:2 — o
Fim; as parábolas do Fim: as cinco virgens que têm óleo suficiente em suas
lâmpadas, e as cinco néscias que não são admitidas no banquete de núpcias; a
parábola dos dez talentos: "Estejai prontos, pois eis que o Filho do Homem
virá à hora em que não o pensais." E finalmente, o Juízo Final.
A Quarta-Feira Santa
Nas matinas: João 12Ю:17-50 — a rejeição do Cristo; o
acirramento do conflito; o último aviso: "É agora o julgamento deste
mundo. . . aquele que me rejeita e não recebe minhas palavras terá seu juiz: a
palavra que anunciei, ela é que o julgará no último dia."
Na liturgia dos Pré-santifícados: Mateus 26:6-16 — a
mulher que derrama o óleo precioso sobre Jesus, imagem do amor e do
arrependimento que, sozinhos, nos unem ao Cristo.
Estas perícopes do evangelho são explicadas e comentadas
na hinografia desses dias: os estiquérios (stykeroi), as triodes (cânones
curtos de três odes cantados nas matinas) ao longo dos quais ecoa esta
exortação: o fim e o julgamento estão próximos, preparemo-nos!
«Indo, Senhor, para Tua Paixão voluntária,
no caminho Tu dizias aos Teus apóstolos:
Eis que subimos a Jerusalém
e que o Filho do Homem será entregue,
segundo o que d'Ele está escrito.
Vamos, pois, nós também, acompanhemo-lo,
o espírito purificado;
sejamos crucificados com ele
e morramos Nele para as volúpias da vida
a fim de vivermos com ele e de escutá-lo dizer:
"Eu não subo mais a Jerusalém terrestre para sofrer,
mas subo para meu Pai e vosso Pai,
para meu Deus e vosso Deus,
e eu vos farei subir comigo para a Jerusalém do alto,
no Reino dos Céus».
no caminho Tu dizias aos Teus apóstolos:
Eis que subimos a Jerusalém
e que o Filho do Homem será entregue,
segundo o que d'Ele está escrito.
Vamos, pois, nós também, acompanhemo-lo,
o espírito purificado;
sejamos crucificados com ele
e morramos Nele para as volúpias da vida
a fim de vivermos com ele e de escutá-lo dizer:
"Eu não subo mais a Jerusalém terrestre para sofrer,
mas subo para meu Pai e vosso Pai,
para meu Deus e vosso Deus,
e eu vos farei subir comigo para a Jerusalém do alto,
no Reino dos Céus».
(Segunda-feira nas
Matinas)
«Ó, minh'alma, eis que o Mestre te confiou um talento.
Recebe este dom com temor;
Faze-o frutificar para aquele que to deu;
distribua-o aos pobres
e tu terás o Senhor como amigo.
Assim, quando Ele vier em Sua glória,
tu ficarás a Sua direita
e tu ouvirás a palavra bem-aventurada:
"Entra, servo meu, na alegria de teu Mestre"
"Em Tua grande misericórdia,
faz que eu seja digno, apesar do meu afastamento,
oh, Salvador!»
Recebe este dom com temor;
Faze-o frutificar para aquele que to deu;
distribua-o aos pobres
e tu terás o Senhor como amigo.
Assim, quando Ele vier em Sua glória,
tu ficarás a Sua direita
e tu ouvirás a palavra bem-aventurada:
"Entra, servo meu, na alegria de teu Mestre"
"Em Tua grande misericórdia,
faz que eu seja digno, apesar do meu afastamento,
oh, Salvador!»
(Terça-feira nas
Matinas)
Durante todo o tempo de quaresma, lê-se nas vésperas dois
livros do Antigo Testamento: o Gênesis e os Provérbios; no começo da Semana
Santa, eles são substituídos pelo Êxodo e pelo Livro de Jó. O Livro do Êxodo é
a história da libertação de Israel da escravidão no Egito, e de sua Páscoa; ele
nos predispõe a alcançar o sentido do êxodo do Cristo rumo a seu Pai, do
cumprimento Nele de toda a história da salvação. Jó, o homem da dor, é o ícone
de Cristo do Antigo Testamento. Esta leitura anuncia o grande mistério dos
sofrimentos do Cristo, de sua obediência e de seu sacrifício.
A estrutura litúrgica destes três dias é ainda aquela dos
ofícios de quaresma: ela compreende a oração de Santo Efrém, o Sírio, e as
metanóias que o acompanham (1), a leitura mais longa do salmodiário, a Liturgia
dos Pré-Santificados e o canto litúrgico da quaresma. Nós estamos ainda no
tempo do arrependimento, porque só o arrependimento pode nos fazer participar
da Páscoa de nosso Senhor e nos abrir as portas do festim pascal.
Na grande e santa quarta-feira, durante a última Liturgia
dos Pré-santificados, depois de ter alçado os santos Dons sobre o altar, o
padre lê uma última vez a oração de Santo Efrém. Neste momento, a preparação
chega a termo. O Senhor nos convida agora para a sua última Ceia.
«Senhor e mestre de minha vida
Afasta de mim o espírito de preguiça,
o espírito de dissipação
de domínio e de vã loquacidade
Concede a teu servo
o espírito da temperança
de humildade
de paciência e de caridade
Sim, Senhor e Rei,
Concede-me que veja as minhas faltas
e que não julgue a meu irmão
pois tu és bendito pelos séculos dos séculos. Amém».
Afasta de mim o espírito de preguiça,
o espírito de dissipação
de domínio e de vã loquacidade
Concede a teu servo
o espírito da temperança
de humildade
de paciência e de caridade
Sim, Senhor e Rei,
Concede-me que veja as minhas faltas
e que não julgue a meu irmão
pois tu és bendito pelos séculos dos séculos. Amém».
Fonte: O Mistério Pascal - Comentários Litúrgicos, Alexandre
Schmémann, Olivier Clément
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