Por Pe. Francisco José,
de Fortaleza – CE.
Na luz da grande
Quinta-feira passamos às trevas da Sexta-feira, o dia da Paixão do Cristo, de
sua morte e de sua sepultura. A Igreja primitiva chamava a este dia "A
Páscoa da Cruz," porque ele é de fato o começo desta Páscoa ou Passagem
cujo sentido nos será revelado progressivamente; primeiro na paz do grande e
santo Sabbat, depois na alegria do dia da Ressurreição.
Mas antes, as trevas. Se
ao menos pudéssemos realizar que as trevas da Sexta-feira Santa não são
puramente simbólicas e comemorativas! É muito freqüentemente com o sentimento
de nossa própria justiça e de nossa própria integridade que contemplamos a
tristeza solene destes ofícios. Há dois mil anos, sim, homens "maus"
mataram o Cristo, mas hoje nós "o bom povo cristão" levantamos
suntuosos túmulos em nossas igrejas; não é esta a prova da nossa justiça? E no
entanto, a Sexta-feira Santa não concerne somente ao passado. É o dia do
Pecado, o dia do Mal, o dia no qual a Igreja nos ensina a aprender a terrível
realidade do pecado e seu poder no mundo. Pois o pecado e o mal não
desapareceram: ao contrário, permanecem a lei fundamental do mundo e de nossa
vida. Nós que nos dizemos cristãos não entramos freqüentemente nesta lógica do
mal que conduziu o Sinédrio e Pilatos, os soldados romanos e toda a multidão a
detestar, torturar e matar o Cristo? De que lado nós teríamos ficado se
tivéssemos vivido em Jerusalém no tempo de Pilatos? Esta é a pergunta que nos é
feita por cada uma das palavras do ofício de Sexta-feira Santa. É de fato
"o dia deste mundo," de sua condenação real e não somente simbólica,
e do julgamento real e não somente ritual, de nossa vida. . . É a revelação da
verdadeira natureza do mundo que preferiu então e continua a preferir as trevas
à luz, o pecado ao bem, a morte à vida. E condenando o Cristo à morte
"este mundo" condenou-se a si mesmo à morte, e na medida em que
aceitamos seu espírito, seu pecado e sua traição a Deus, estamos também
condenados.
Este é o primeiro
significado, terrivelmente realista, da Sexta-feira Santa: uma condenação à
morte...
No entanto, este dia do
Mal cuja manifestação e triunfo estão em seu paroxismo, é também o dia da
Redenção. A morte do Cristo nos é revelada como uma morte salvífica para nós e
para nossa salvação. Ela é uma morte salvífica porque é o supremo e perfeito
sacrifício. O Cristo dá sua morte a seu Pai e no-la dá também. Ele a dá a seu
Pai porque não há outro meio de destruí-la e libertar os homens dela; ora, é a
vontade do Pai que os homens sejam salvos da morte. O Cristo nos dá sua morte
porque na verdade é em nosso lugar que Ele morre. A morte é o fruto natural do
pecado, um castigo iminente. O homem escolheu não mais estar em comunhão com
Deus, porém como ele não tem a vida nele mesmo e por ele mesmo, morre. Em Jesus
Cristo, entretanto, não há pecado, logo não há morte. É somente por amor a nós
que ele aceita morrer; Ele quer assumir e compartilhar de nossa condição humana
até o fim. Ele aceita o castigo de nossa natureza, exatamente como assumiu o
fardo inerente à natureza humana. Ele morre porque se identifica
verdadeiramente conosco, tomou sobre si a tragédia da vida do homem. Sua morte
é então a revelação suprema de sua compaixão e de seu amor. E porque sua morte
é amor, compaixão e co-sofrimento, nela a própria natureza da morte foi mudada.
Ela não é mais um castigo, mas um esplendoroso ato de amor e de perdão, o termo
de toda ausência de comunhão e de toda solidão. A condenação é transformada em
perdão.
Enfim, a morte do Cristo
é uma morte salvífica porque destrói a própria fonte da morte: o mal.
Aceitando-a por amor, entregando-se a seus carrascos e permitindo-lhes uma
vitória aparente, o Cristo manifesta que em realidade esta vitória é a derrota
decisiva e total do mal. Com efeito, para ser vitorioso, o pecado deve
aniquilar o bem, deve provar que ele é toda a realidade da vida, arruinar o bem
e, numa palavra, mostrar sua própria superioridade; mas ao longo de sua Paixão,
é o Cristo e somente ele que triunfa. O mal nada pode contra ele pois que não
pode levar o Cristo a aceitar o mal como verdade. A hipocrisia se revela
hipocrisia, o assassinato, assassinato, e o medo, medo. E enquanto o Cristo
avança silenciosamente para a Cruz e para seu fim, quando a tragédia humana
está em seu apogeu, seu triunfo, sua vitória sobre o mal e sua glorificação aparecem
progressivamente em luz plena. A cada passo esta vitória é reconhecida,
confessada, proclamada: pela mulher de Pilatos, por José, pelo bom ladrão, pelo
centurião. Quando ele morre na cruz, tendo aceito o supremo horror da morte, a
solidão absoluta (Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?)" não resta
senão confessar: "Verdadeiramente este homem era o filho de Deus!"
Assim esta morte, este amor e esta obediência, esta plenitude de vida destroem
aquilo que faz da morte o destino universal. "E os túmulos foram
abertos" (Mt. 27:52). Já aparecem os primeiros clarões da Ressurreição...
Este é o duplo mistério
desta grande Sexta-feira; os ofícios deste dia no-lo mostram e nos fazem
participar dele. De um lado, eles insistem constantemente sobre a Paixão do
Cristo enquanto pecado de todos os pecados, crime de todos os crimes. Nas
matinas, as doze leituras do relato da Paixão nos fazem seguir passo a passo o
Cristo em seus sofrimentos; nas Horas (que substituem a divina Liturgia, pois a
interdição de celebrar a Eucaristia neste dia significa que o sacramento da
presença do Cristo não pertence "à esta criação" de pecado e de
trevas, mas que ele é o sacramento do "mundo que há de vir"); na
véspera, enfim, o ofício da descida da Cruz, as leituras e os hinos estão
cheios de solenes acusações contra aqueles que voluntária e livremente
decidiram matar o Cristo justificando seu crime em nome de sua religião, de sua
lealdade política, de suas considerações práticas e de sua obediência
profissional.
Por outro lado, encontramos
desde o começo do ofício o segundo aspecto do mistério deste dia: o do
sacrifício de amor que prepara a vitória final. Desde a primeira leitura do
Evangelho, onde ressoa a advertência solene do Cristo: "Agora o Filho do
Homem foi glorificado e Deus foi glorificado nele," até aos Stycherons do
final da Véspera, a luz se faz cada vez mais viva e, ao mesmo tempo, crescem a
esperança e a certeza de que a morte será vencida pela morte: "'Ó tu,
Redentor de todos, quando foste colocado num túmulo novo para todos os homens,
o Hades que não respeita ninguém, te viu e tremeu de medo. As trancas foram
quebradas, as portas se abriram, os mortos levantaram-se. Então Adão, exultante
de reconhecimento, gritou a Ti: "Glória à tua condescendência, ó tu misericordioso!"
E quando no final da
Véspera, a imagem do Cristo no túmulo é colocada no centro da igreja, quando
este longo dia chega a seu fim, sabemos que a longa história da salvação e da
redenção chega também a seu fim. O sétimo dia, o do repouso, o Sabbat abençoado
desponta e, com ele, a revelação do túmulo que dá vida...
Fonte: O Mistério Pascal - Comentários Litúrgicos, Alexandre
Schmémann, Olivier Clément
Nenhum comentário:
Postar um comentário