Desde
as primeiras tentativas pelos colonizadores de ocupar o território, Fortaleza é
marcada pela presença da seca, pelo medo, a insegurança e até por problemas
ambientais - situações que persistem até hoje
Fortaleza
permanece marcada pelas cicatrizes das origens. Embora o aniversário oficial
seja comemorado na próxima semana, o território já era conhecido por europeus,
segundo registros, desde antes da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil. E,
quase 150 anos antes do 13 de abril de 1726, o local era citado em detalhadas
descrições do litoral do atual Ceará.
A partir do século
XVII, houve ao menos quatro empreitadas portuguesas e duas holandesas para
tentar ocupar a área entre o rio Ceará e o Mucuripe. Quase todas fracassaram,
por razões presentes ainda hoje: seca, medo, violência e até problemas
ambientais.
Fortaleza é ponto
fora da curva na história das atuais grandes cidades brasileiras que surgiram
no período colonial. Foi empreitada inusitada e improvável.
Não há divergência
quanto a ter havido várias iniciativas de ocupação do local onde hoje é Fortaleza,
muito antes de 1726. O que há são interpretações conflitantes sobre qual desses
empreendimentos acabou sendo o núcleo gerador da vila oficialmente instituída
pelo rei de Portugal num 13 de abril 289 anos atrás. Sem pretensão de definir
um marco fundador, O POVO buscou em fontes históricas registros do que existia
em Fortaleza antes da fundação oficial. Um pouco da história antes do
aniversário.
PRIMEIROS
“FORTALEZENSES”
O historiador
Aírton de Farias, em História da Sociedade Cearense (Livro Técnico, 2004), cita
Thomaz Pompeu Sobrinho (1880-1967), segundo o qual a povoação do território
onde hoje é o Ceará teria começado entre 5 mil a 4 mil a.C. Os primeiros povos
teriam chegado pelo Piauí. Porém, registros arqueológicos mais recentes poderão
indicar data ainda anterior. Entre os povos que habitavam as imediações de onde
hoje é Fortaleza estavam os anassés, os potiguaras, paiacus e jaguaribaras.
EUROPEUS
O
primeiro relato conhecido de europeus que teriam estado em Fortaleza remete à
viagem do espanhol Vicente Yañez Pinzón, que fora companheiro de Colombo na
viagem à América. Por volta de janeiro ou fevereiro de 1500, após passar pelo
atual Aracati, seguiu para o atual Mucuripe. Pouco tempo depois, o também
espanhol Diogo de Lepe esteve no local, que chamou de “Rostro Hermoso” (rosto
bonito).
CONHECIMENTO
DA ÁREA
Mesmo com quase
nenhum interesse português, ainda no fim do século XVI há registros de que o
litoral cearense era conhecido em detalhes pelos navegadores. Em 1587, Gabriel
Soares publicou, em Madri, o Roteiro do Brasil, no qual descreve a “enseada de
Macorive”, hoje Mucuripe. A “enseada é muito grande; e ao longo dela navegam
navios da costa; mas dentro em toda tem bom surgidouro e abrigo”. O relato é
registrado por Tristão de Alencar Araripe em sua História da Província do Ceará
(de 1867, reeditado em 2002 pelas Edições Demócrito Rocha).
CRUELDADE E SECA
O lugar onde hoje
fica Fortaleza entrou na história colonial brasileira por causa do Maranhão. Em
1603, Pero Coelho de Sousa recebeu o título de capitão-mor e organizou uma
bandeira, com objetivo de subjugar os índios da Serra da Ibiapaba, conter o
comércio de piratas e abrir caminho para o Maranhão. De quebra, buscava ouro e
prata. Derrotou índios e alguns estrangeiros, mas, ao chegar ao rio Parnaíba,
no Piauí, teve de recuar. À margem do rio Ceará, ergueu um pequeno forte
chamado de São Tiago. A povoação que se formou foi batizada de Nova Lisboa. O
São Tiago seria o posto avançado para guarnição e abastecimento das tropas.
Esse seria o principal atributo enxergado pelos europeus naquele pedaço de
chão: função estratégico-militar.
A postura de Pero
Coelho é retratada por Alencar Araripe como cruel e tirânica, contra inimigos e
até contra índios aliados. Enfrentou ataques de uns e revolta de outros. Isso
aliado à seca de 1605 a 1607 – a primeira registrada no Ceará – obrigou-o a
abandonar o São Tiago. Segundo Araripe, foi preso, remetido para Lisboa e
morreu no cárcere. A memória de sua crueldade foi obstáculos para expedições
posteriores.
MISSIONÁRIOS
Em
1607, chegaram ao que hoje é Fortaleza os padres jesuítas Francisco Pinto e
Luís Figueira. Pinto fundou, com os índios potiguaras, a aldeia Paupina,
considerada a origem do atual bairro de Messejana. Os missionários seguiram
para a Ibiapaba, onde Francisco Pinto foi morto pelos tacarijás. Mais tarde,
Figueira se retirou para o Rio Grande do Norte.
O 2º FORTE
Entre
1611 e 1612, retornou ao Ceará Martim Soares Moreno. Ele fizera parte da
expedição de Pero Coelho. Agora como capitão-mor, ergueu o forte São Sebastião,
no local onde antes estivera o São Tiago. E dedicou uma igrejinha a Nossa
Senhora do Amparo.
HOLANDESES
Em
1637, holandeses desembarcaram no Mucuripe e tomaram o São Sebastião. Ficou sob
comando de Hendrick Van Ham e, em seguida, de Gedeon Morris de Jonge, um dos
grandes estrategistas da ocupação flamenga no Nordeste. Ele explorou salinas,
ergueu pequenas fortificações em Jericoacoara e Camocim. Foi talvez o início da
atividade econômica no Ceará. Em 1644, índios mataram todos os ocupantes do
forte. Jonge foi degolado.
O 3º FORTE
Em
1649, os holandeses fizeram nova tentativa, sob comando de Matias Beck. Ele
desistiu das margens do rio Ceará. Conforme expõe Antonio Luiz Macêdo e Silva e
Filho, em Fortaleza: imagens da cidade (2004, Museu do Ceará), a foz do rio
sofria processo de assoreamento – quase certamente por causas naturais, pois
não há registro de ação humana na época a ponto de justificar tal efeito. De
todo modo, era inviabilizada a ancoragem das embarcações. Beck manteve o
ancoradouro no Mucuripe e, em 10 de abril de 1649, instalou o forte numa
elevação próxima ao Pajeú. O local foi chamado de Schoonenborch, nome do então
governador holandês no Brasil. Em 1654, com a expulsão dos holandeses do
Recife, o Schoonenborch foi abandonado.
VOLTA
DOS PORTUGUESES
Tropas sob o
comando de Álvaro de Azevedo Barreto tomaram o forte em 1654, sem resistência.
O nome do forte foi mudado para Nossa Senhora da Assunção, até hoje padroeira
da cidade. Nas décadas seguintes, o povoado ao lado do forte teve lenta
expansão. Conforme demonstra Maria Auxiliadora Lemenhe em As razões de uma
cidade (1991, Stylus), Fortaleza é exceção na história colonial. As atuais
grandes cidades surgidas no período, como Rio de Janeiro ou Belém, eram centro
de escoamento da produção para o mercado externo e, também, sede da estrutura
militar e burocrática. Fortaleza estava longe da incipiente produção econômica
na capitania, ligada à pecuária. E, diante da dependência administrativa,
tampouco havia relevância burocrática. Afinal, o Ceará ficou subordinado ao
Maranhão entre as décadas de 1620 até a de 1660. E, depois, a Pernambuco, até
1799. A função defensiva, durante longo período, foi a única razão para existir
o povoado. Em 1696, o capitão-mor Pedro Lelou estimou a população em cerca de
200 pessoas. A maioria das casas era de palha. Raras tinham telhas.
VILA EM DISPUTA
Em
13 de fevereiro de 1699, ordem da Coroa portuguesa criou a vila de São José de
Ribamar, no Ceará. Foi o início de uma longa contenda. A ordem régia não
definiu o lugar. O capitão-mor, os soldados e padres – uma incipiente
burocracia local - queria mas proximidades do forte. Os proprietários de
algumas terras – um arremedo de elite econômica - preferiam Aquiraz.
Houve ao menos
quatro mudanças do local. Como aponta o livro Fortaleza: uma breve história, de
Artur Bruno e Airton de Farias (2012, Edições Demócrito Rocha), passou por
Aquiraz, pelo Pajeú e pela foz do rio Ceará. Até que, em 27 de junho de 1713,
então, a vila de São José de Ribamar foi instalada em Aquiraz. Mas, em 18 de
agosto do mesmo ano, como desenrolar da chamada “guerra dos bárbaros”, índios
anassés atacaram a primeira vila do Ceará. Cerca de 200 pessoas morreram. Os
sobreviventes buscaram abrigo no forte do riacho Pajeú, para onde a Câmara foi
transferida, diante da insegurança constatada em sua localização original. A
violência e o medo novamente atuavam na história de Fortaleza. Em 13 de abril
de 1726, foi instalada uma segunda vila.
HEGEMONIA
As
duas vilas reivindicavam a denominação de São José de Ribamar. E ambas queriam
que a outra fosse suprimida. Em 1728, ordem régia reafirmou que as duas
deveriam ser mantidas. Quanto à denominação, com o tempo prevaleceu que uma
passou a se chamar Aquiraz e a outra, Fortaleza. Em 1758, foram criadas duas
outras vilas no território da atual Fortaleza: Vila Nova de Arronches
(Parangaba) e Messejana, atuais bairros da Capital.
CIDADE
Em
1799, com o desmembramento do Ceará em relação a Pernambuco, Fortaleza foi
conformada como Capital. No fim da década de 1810, o forte de Nossa Senhora da
Assunção, de madeira e em estado avançado de deterioração, foi reconstruído em
alvenaria. Em 1823, a vila foi elevada à condição de cidade, com nome de
Fortaleza de Nova Bragança. A denominação não vingou.
SAIBA MAIS
COMO FORTALEZA JÁ
FOI CHAMADA ANTES
1500
- Rostro Hermoso (rosto bonito)
1603 – Nova Lisboa
1611
– Forte de São Sebastião
1649 – Forte
Schoonenborch
1654
– Forte de Nossa
Senhora da Assunção
1699
– Vila de São José de Ribamar (status e nome reivindicado, em disputa com
Aquiraz). Após a elevação definitiva a vila, em 13 de abril de 1726, seguiu-se
disputa pelo nome, embora já tivesse ficado consagrada como vila do forte, do
Pajeú ou vila da Fortaleza
1823 – Cidade de
Fortaleza de Nova Bragança (não vingou)
Fonte: Dom. – Jornal O povo (05/ 04/ 15)
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