Segundo compêndios escolares, ocorreu de 1630
a 1654 a permanência dos holandeses em terras cearenses, mas consta que, já na
beirada do tal século, um certo Jan Baptiste Syens havia ancorado na ponta do
Mucuripe e lançado, pros rumos do interior, seus ambiciosos olhos verdes, tão
brilhantes quanto as esmeraldas que sonhava encontrar naquelas brenhas. Dez
anos depois, com a mesma intenção cúpida, outros marujos flamengos, Hendrick
Cob e Adriasen Cluyt, voltaram ao Ceará após fracassadas tentativas na Bahia, quando
subiram pelas abas de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e
vislumbraram os verdes mares bravios da nossa costa, na falta ainda das tais
gemas turmalinas.
Mas havia dunas imensas, fartos úberes de
vacas malhadas dos países baixos e aí, motivados edipianamente, os aventureiros
puseram-se a fazer filhos nas nativas do caminho, gerando daí uma nova casta de
morenos de olhos verdes que ainda hoje habitam as costas do Aquiraz à foz do
Aracaty. Onde fizeram, à época, alianças com os índios, então inimigos dos
portugueses dominadores de terras do Maranhão e mantedores na foz do Siriará do
forte de São Sebastião comandado por Soares Moreno (o Martim enamorado de
Iracema, segundo a crônica alencarina), cidadela tomada pelos comandados de
George Gartsman.
Os nativos tiveram primordial importância
nesta conquista e a aliança com os flamengos se deu como tática para manter as
terras e se verem livres dos portugueses, acreditando na propalada fama de que
os batavos eram menos brutais com relação à escravidão. Permaneceram no dito
fortim meio cento de almas lideradas por Hendrick van Ham enquanto que Gartsman
escoltava os prisioneiros até glebas potiguaras. Já em 1640 o comando do forte
passou para Gedeon Morris de Jorge que, decepcionado com os falsos brilhantes,
tentou explorar as áreas salineiras usando a mão de obra dos aliados indígenas
que ainda foram convocados para a conquista do Maranhão no ano seguinte. O
restante foi escravizado e vendido. Resultado: os nativos revoltaram-se,
destruindo o forte e trucidando os holandeses que, cinco anos depois, voltaram
sob o comando de Matias Beck. O qual tentou a pacificação em troca de
bugigangas e outros presentinhos espelhados, mandando erguer às margens do
riacho Pajeú, na colina Marajaitiba, um forte batizado em homenagem ao então
governador de Holanda de nome Schoonenborch.
Os neerlandeses ainda passaram cinco anos
procurando minerais na Itarema, Ibiapaba e Maranguape, sem muito sucesso. Com a
seca de 1651-54 o forte cearense foi esquecido pelas autoridades flamengas.
Novamente os índios, indispostos com os invasores, chegaram a sitiar a
fortificação e matar alguns ocupantes. Por fim, em 1654, Back e seus prepostos
tomaram o rumo de casa.
Saldo desse vira-e-mexe: anotações de Back em
um diário e um detalhado mapa do forte, a certidão de nascimento da cidade de
Fortaleza, já que o núcleo colonizador se deu às margens do Pajeú e não na
Barra do Ceará, onde ficava o forte de Moreno. Ficou estabelecida verdadeira
polêmica quanto à fundação da cidade de Fortaleza. Segmentos conservadores não
viam com bons olhos a tese da primazia holandesa por seus evangélicos
calvinistas, ao contrário dos portugueses, católicos.
A preocupação com o “marco-zero” de uma
cidade não passa de uma ação meramente burocrática, um rito de passagem.
Atribuir a fundação de Fortaleza a Moreno e Beck, para agradar as duas facções,
seria um erro cronológico. Na verdade, Fortaleza surgiu espontânea e
paulatinamente, não sendo fruto da ação intencional de uma única pessoa em
determinada data. É ponto de união de várias sociedades e culturas, da dor e da
alegria de milhares de pessoas ao longo dos séculos, no dizer do historiador
Airton de Farias.
Já lá se vão 189 anos e estamos aqui a
rememorar estes fatos. Com o tempo a cidade ocupou o espaço entre os dois rios
(Ceará e Pajeú) e foi mais além. As dunas continuam alvas como os úberes das
vacas malhadas e os mares verdes tais as esmeraldas incrustadas nas órbitas dos
curumins da orla. Que ganharam nomes híbridos nas pias batismais católicas, os
protestantes Vander, Vandick e Vanderlei.
Como de regra.
Fonte: Coluna Audifax Rios – Jornal O povo (10/ 04/
15)
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