Sinais da
cidade
Começaram pintando as ruas de preto, cobrindo
a velha pedra tosca por um asfalto magro e sem tantos caprichos. Na minha rua
não foi diferente. Dia desses estava lá a máquina amarela descansando o
trabalho da madrugada. Mas retomariam o serviço em breve e ela voltaria a fazer
aquele barulho chato. Foi ali, vendo a rua onde cresci ser asfaltada, que
percebi: “Aquiraz está mudando”.
Pelo menos o açude, bem no meio de tudo,
resiste. Aterraram uma parte para duplicar uma via, requalificaram os entornos,
puseram grades e ele lá, resistindo! Colocaram uma fonte toda luminosa, talvez
pra chamar atenção, mas não vingou. Mas o casal de peixes que colocaram por lá
funcionou, apesar de quase não funcionar (um dos peixes vive se sufocando nas
sujeiras que jogam no açude).
Se soubessem a alegria que é ver aquele açude
cheio, sangrando pra um riachinho ao lado, depois de um toró de chuva. Aliás,
acho que pode mudar o que for, chuva vai sempre trazer felicidade pra gente.
Até porque toda esquina ainda conserva uma bica, embora agora a água corra
livre. Não tem ninguém tomando banho, descalço, sentindo a força do fio caindo
na cabeça.
A gente também não vê mais uma criança
brincando, correndo, caindo. Não ralam mais os joelhos naquelas pedras. Não
aproveitam mais os janeiros pra tirar pitomba a base da chinelada, correndo o
risco de deixá-la enganchada no galho. A meninada toda se entretém de outras
formas. E não julgo, de jeito nenhum!
Até confesso que o novo me interessa mais,
mas, nesse caso, eu queria mesmo era a rua como antes. Com direito a topada,
passo falso e poeira. Hoje o asfalto recém feito ainda gruda nos chinelos. Um
negócio desses num pode ser bom! E, assim como na minha rua, o chão de toda
cidade parecia vestir esse luto. Aqui e acolá via um reclamando, outro elogiando
e eu, sinceramente, não sabia dizer ao certo o que sentir.
Esse, na verdade, foi o primeiro sinal, mas
logo vieram outros. Colocaram, de fato, um sinal na entrada da cidade. Bem ali,
ao lado da estátua de São José de Ribamar, o padroeiro, que antes recebia
sozinho quem chegava. Há um tempo, antes mesmo dos primeiros sinais, alguém
teve a ideia de colocar fotossensores em algumas vias do centro. Não teve
serventia alguma, foram embora cedo. Mas não sei não, acho que voltam em breve.
Enquanto isso, dá pra ver resiliência em toda
cidade. As festas religiosas da praça da Matriz ainda trazem aquele ar de
cidadezinha pequena, as carroças lentas levando lenha ou o tanger do gado vez
por outra ainda adubam o piso preto com as fezes dos animais, as conversas de
calçada resistem à insegurança das ruas. Como eu disse, aqui e acolá a cidade
vem-nos com outros sinais, mas esses não mudam de cor.
Fonte: http://www.somosvos.com.br/
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