sexta-feira, 13 de março de 2015

Icapuí: A riqueza das coisas simples

Apaixonado pelas belezas naturais do Ceará, o fotógrafo Maurício Albano, falecido na última quarta-feira (11), deixa por legado seus registros fotográficos e a filosofia de uma vida modesta, sem pressa
Uma pessoa que se dedicou a registrar as paisagens naturais do Ceará. Assim foi descrito por amigos e familiares o fotógrafo Maurício Albano. Homem simples, amante da natureza, Maurício faleceu na manhã da última quarta-feira (11), em uma despedida súbita. Morreu no sítio em que morava com os dois filhos e foi velado na própria casa, rodeado das pessoas que amava.




Albano deixa um legado de imagens de um Ceará que se transforma, muitas vezes, de maneira irreversível. Por isso, o fotógrafo prestava reverência ao belo efêmero, eternizando através de suas lentes fauna, flora, saberes, fazeres e celebrações, principalmente do interior do Estado, e o ambiente insólito da caatinga, que para Maurício tinha uma beleza peculiar.


O corpo do fotógrafo foi cremado e as cinzas lançadas nas águas que banham a Praia de Picos, em Icapuí, cidade a 172 km de Fortaleza. Maurício possuía uma casa rústica - comprada há 15 anos - próxima à praia e tinha planos de ampliar o prédio e transformá-lo em uma pequena pousada, para a qual se mudaria. As falésias do local o "deixavam doido", como ele mesmo afirmou.


A casa que lhe serviria de morada foi construída através de seu próprio esforço e do seu talento como arquiteto não diplomado. "Ele tinha um estilo de construir que eu defino como rústico requintado", diz a filha, Marisol Albano.


Divino


"A fotografia é uma coisa divina. Ela para o tempo, para a imagem. Ela tem a memória, que é a coisa mais importante. Conta uma história de como era. Tem tanta coisa na minha obra que virou história no Ceará", disse, em dezembro do ano passado, durante conversa na TV DN, web TV do Diário do Nordeste, uma das suas últimas entrevistas concedidas.


Maurício Albano começou a fotografar nos anos 1960, somando mais de 50 anos dedicados à imagem. Sua formação envolve ainda viagens ao exterior, entre 1970 e 1972, com bolsa de estudos da Comissão Fullbrigh do Governo dos Estados Unidos da América.


Com isso, obteve o mestrado em Fotografia na Newhouse School of Public Communications da Syracuse University, Nova York, percorrendo, em seguida, os Estados Unidos, o Canadá e 12 países da Europa em viagens fotográficas, experiência que gerou cinco exposições individuais.


Dedicação


Apaixonado pela natureza, dedicou a vida a registrar imagens bucólicas, semelhantes à vida que levava com os filhos em seu recanto. "Ele plantou quase todas as árvores do sítio e acompanhava de perto o crescimento de cada uma delas. Nos últimos dias, estava particularmente feliz com um pé de graviola, que nunca antes tinha dado tantos frutos", diz Marisol Albano, filha do fotógrafo. "Essa é a grande lição que ele deixa para a gente: a sabedoria de ser feliz com coisas simples", completa.


A sua paixão contagiou os dois filhos. Influenciados pelo pai, Marisol tornou-se bióloga e hoje atua como arte-educadora ambiental. Já Ciro, o mais velho, decidiu estudar a vida das aves e virou ornitólogo. "Foi com ele que aprendi sobre o Ceará Profundo. Ele conseguia identificar como ninguém a alma do Estado", diz a socióloga Fátima Façanha, amiga de Maurício. Fátima esteve com o fotógrafo há cerca de um mês.


Aos domingos, Maurício costumava tomar café da manhã na casa do artista plástico Hélio Rola, seu "vizinho" de bairro e amigo íntimo. "Fomos vizinhos na Praia de Iracema dos anos 1970. Ele morava na Rua dos Tabajaras e eu na dos Potiguaras. Já nos conhecíamos antes, mas foi lá que fizemos amizade. Tínhamos essa ligação visual, ele com a fotografia e eu com as artes gráficas. Como eu também era amigo de José Albano, essa relação ficou mais estreita", relembra.


"Sem dúvida ele deixa uma marca através dos seus livros de referência, que possuem um valor inegável", completa. A simplicidade e sensibilidade de Albano inspiravam quem estava ao seu redor. "Está ouvindo esse vento? Essas folhas balançando? Essas frutas? Isso é Maurício. Ele era todo prosperidade, luz, criação e amor", diz a ex-esposa Selma Ginez em entrevista concedida no sítio do fotógrafo. Definindo-o como um homem de índole firme, a artista plástica destaca que ele se chateava com as coisas como são em Fortaleza, cidade que ele classificou como "Miami mal resolvida".


Em seu livro mais recente, "Panoramas - Ceará por inteiro", o fotógrafo reuniu um pouco de sua produção ao longo da vida em que registrou o Ceará do litoral ao sertão. "Tenho um chamego pelo Ceará. E é buscando o lado lindo que ele tem, que consigo dizer para o povo: 'olha, cuida desse bichinho, que é tão bacana, vamos cuidar dele'", declarou em entrevista concedida à TV DN. Além da vasta bibliografia dedicada à fotografia e às paisagens cearenses, Maurício deixa dois filhos e três netos, um deles ainda por nascer.


Leonardo Bezerra
Repórter




Fonte: Caderno 3 – Diário do Nordeste (13/ 03/ 15)

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