Neste 8 de março, O POVO dá início a uma
série que narra histórias de mulheres que vivem a maternidade dentro do
Instituto Penal Feminino do Ceará. Da primeira vez que tiveram seus filhos nos
braços ao momento que precisaram soltar sua mão para deixá-los descobrir a
liberdade
Tereza
foi pega por furto. Cláudia chegou para a visita e acabou ficando. Patrícia
conta que estava no lugar errado, na hora errada, com o amor errado. De repente
elas se viram atravessando uma portaria abandonada, avançando em direção a um
prédio de muro alto e parede branca, deparando com uma estreita passagem de
detectores de metal. Não havia mala. Também não tinha sorrisos na recepção. Só
carregavam os filhos, no ventre.
“Eu
não acreditava que tava presa”, diz Patrícia sobre sua chegada ao Instituto
Penal Feminino (IPF) Desembargadora Auri Moura Costa, a única unidade destinada
a mulheres no sistema penitenciário cearense. Era difícil aceitar que o
quilômetro 27 da BR 116, em Aquiraz, seria seu novo endereço, aos oito meses de
gravidez. Até quando, não sabia. Só chorava, pensando no filho Saulo, que
deixara para trás, e naquele que viria.
Atordoadas
com a chegada, algumas delas nem notaram a casa do lado direito do estacionamento
que separa o dentro do fora das grades. Muro baixo, tons de rosa e branco, a
Creche Irmã Marta tem aparência de morada do interior. Destoa das instalações
da cadeia superlotada a que, depois, passariam a se referir como “lá embaixo”,
tal o inferno.
Durante
o dia, ouve-se o som das crianças saído da creche. À noite, o silêncio só é
quebrado pelo choro de algum dos 15 bebês que vivem lá hoje. Como as mães, eles
também são recolhidos aos alojamentos antes que anoiteça. Feito elas, só podem
ver a Lua das janelas dos quartos.
Gravidez
Nas
celas, bucho à vista, as recém-chegadas logo ouvem sobre um certo local para
onde vão depois do filho nascido. Se não conseguirem voltar para casa antes do
parto -- a esperança a que todas se agarram. Quando as dores chegarem, elas
sabem, vão dali direto para o Gonzaguinha de Messejana. E do Gonzaguinha para
“o paraíso”, como a creche é chamada.
Comparada
à “vivência” (nome bonito para as celas) de 10 metros quadrados, que não tem
“pedra” (cama) para todas, e é dividida com oito, dez, até 12 mulheres, não é
preciso muito para ser melhor. São tantas as “internas” que, mesmo as grávidas,
quase sempre beneficiadas pela solidariedade das outras detentas, têm de dormir
no chão. É assim até ficarem “pesadinhas”, já perto de parir.
Nesse
estágio, ali pelo sétimo mês de gestação, as futuras mães são mandadas para a
ala A. Lugar de quem trabalha, não quer se envolver em confusão, tem mais idade
ou simplesmente não pode ficar longe da enfermaria. Mesmo lá, conforto para um barrigão
não existe. Depende sempre da disposição alheia, de quem também é mãe e sabe a
dificuldade de trazer outro consigo e dormir no chão frio.
Nascimento
Chegada
a hora do parto, escoltadas por uma agente feminina que não faz as vezes de
acompanhante, as detentas experimentam a solidão no momento que, para tantas
outras mulheres, é o da maior alegria de uma vida. Não têm ninguém, apenas o
pequeno ser gerado por elas, indefeso e necessitado do leite e do amor da mãe.
Se
demoram no hospital porque foram operadas ou por necessidade do bebê, e não
foram abandonadas pelos parentes, podem receber algum apoio familiar nessa hora
que é de medo diante da maternidade, ainda mais a encarcerada. Se não, voltam
para o Instituto Penal Feminino sem qualquer conforto emocional, com o filho
nos braços e sós.
“Quando
a gente chega aqui é só com o menino enrolado nos panos. Eu pensava: ‘Meu Deus,
o que vou vestir nessa menina?’”, conta Cláudia, mãe de Lara, hoje com cinco
meses. “Depois chegam as doações”. O Estado dá um kit básico de higiene e
vestimenta para o bebê, além da alimentação das mulheres e dos maiores de seis
meses, mas são as igrejas que fazem a diferença.
Graças
às três denominações religiosas que atuam diretamente na Irmã Marta, os bebês
têm fralda descartável, banheira, berço, cueiros, toalha, roupas e tudo o mais
que for necessário. Até um retrato, mês a mês, para as mães guardarem de
recordação. “Não fosse as igrejas, sei nem o que seria das mãezinhas aqui. A
situação é difícil”, diz Cláudia.
Apesar
da crítica, todas concordam que, embora não substitua o lar, não inclua o
cuidado da família no pós-parto e ainda mantenha a sensação de abandono das
detentas-mães, quase sempre deixadas à própria sorte pelos companheiros, ainda
assim a Creche é o melhor lugar possível para cuidar do filho privada de
liberdade.
Quinze
anos atrás, o espaço não existia e os bebês ficavam num berçário, cuidados por
funcionários do sistema. As mães só tinham acesso a eles uma vez por dia,
durante duas horas.
SEPARAÇÃO
“Eu
aprendi muito depois que vim pra cá”, diz Tereza, mãe de João Guilherme, hoje
com seis meses. Enquanto vivia na rua, tinha decidido dar o filho para adoção.
Quando o tomou nos braços pela primeira vez, desistiu. Foi na Irmã Marta que
ela descobriu a maternidade que não conhecia mesmo depois dos dois filhos mais
velhos, nascidos na liberdade. Patrícia, que ficou um ano e seis meses junto de
seu Ezequiel, diz que ali é mais fácil, sim, estar presa -- não fosse a
angústia da separação que pode chegar.
Separar,
aliás, é verbo não conjugado na creche. As mães, que na maioria cumprem prisão
provisória, tentam nem cogitar a possibilidade de ver seus filhos saírem e
elas, não. “Meu filho ninguém tira de mim. Só a morte separa”, sentencia uma
das mães que pede para ser chamada de Maria.
Mesmo
com os encontros promovidos na unidade a cada “domingo das crianças”, o segundo
do mês, a saudade materna não ameniza. No máximo, ajuda a seguir, na esperança
de ter os filhos embaixo das asas novamente.
O
webdoc da série Maternidade Encarcerada pode ser visto emwww.opovo.com.br/videos. A fotografia
é de Rodrigo Carvalho; edição de Renato Ferreira; entrevistas de Raphaelle
Batista; roteiro e coordenação de Émerson Maranhão.
Fonte: Cotidiano – Jornal O
povo (08/ 03/ 15)
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