quarta-feira, 23 de abril de 2014

Dia Internacional do Livro passa em branco no Ceará


A paixão daquele homem por livro era tão grande que fez o seguinte. Como tinha o hábito de andar pelo Saara com seus camelos, assinalou cada um deles de acordo com o alfabeto árabe. Assim, quando se reuniam, para viajar, cada camelo assumia o seu lugar, na comitiva, de acordo com a letra que representava. Assim, se o dono dos camelos queria saber onde estava determinado livro, coisa que sempre levava em suas viagens, sabia, pelo menos, onde o procurar porque, assim como os ruminantes, estavam organizados em ordem alfabética.

Michel de Montaigne é outro apaixonado por livro. Filósofo quinhentista dizia, recolhido em sua torre redonda ao lado do palácio onde morava, na França, que não conseguia entender como certas pessoas não adquiriam o hábito de ler já que, para ele, pelo menos, era a coisa mais agradável que existia no mundo. Por isso mesmo tinha pena daqueles que sabiam ler, mas não se preocupavam com isso. Mário Quintana, por sinal, poeta gaúcho que morreu em 1994, dizia algo parecido. Para ele o verdadeiro analfabeto não é aquele que não sabe ler, mas aquele que, mesmo sabendo ler, não dedica uma parte de seu tempo para se deliciar com um poema ou um romance.

No Dia Internacinal do Livro, comemorado hoje, 23 de abril, quando Miguel de Cervantes morreu na Espanha em 1616 e Shakespeare na Inglaterra no mesmo dia e no mesmo ano, nem a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará nem a de Cultura do Município, têm qualquer programação. Telefonando para as duas, há projetos antigos, que estão em andamento, na Secult e, na Secultfor nada foi informado. Tratado como se não existisse, portanto, o livro, no Ceará, é quase uma incognita. A Biblioteca Pública Menezes Pimentel , até recentemente, não tinha, sequer, água nos banheiros quanto mais acervo em boas condições e a Biblioteca Dolor Barreira, do Município, anda a passos lentos desde que saiu do prédio que estava para cair, na Av. da Universidade, e foi para outro, na mesma rua mas, ainda assim, insuficiente.

Livro no Brasil

A história do livro no Brasil, aliás, é um desastre. Colonizado por Portugal, o livro só começou a circular no País em 1808 quando a Família Real veio de Portugal para a terra dos Vice-Reis. Aqui, se localizou no Rio de Janeiro e, para que o Regente e, depois, Rei, dom João VI, pudesse assinar seus decretos, foi montada uma tipografia. A primeira que, de fato, funcionou no Brasil porque a que foi montada no século XVIII foi quebrada. Marquês de Pombal, preocupado com a possibilidade de os livros e, pior do que eles, os jornais, funcionar na colônia e, com o tempo, se manifestar algum tipo de inteligência onde, até então, só havia imperado a ignorância, mandou quebrar a tipografia e, para ter certeza de que suas ordens foram atendidas, exigiu que as peças da tipografia fossem levadas para Portugal e postas aos pedaços a seus pés.

Com dom João VI no Brasil alguma coisa mudou. Destinado a melhorar um pouco mais a situação financeira, econômica e até política do País, dom João não só mandou montar uma tipografia. Trouxe, de Portugal, a antiga Real Biblioteca da Ajuda, mais conhecida como dom José, que foi o início da atual Biblioteca Nacional que, atualmente, se localiza no Rio de Janeiro. Dentre os livros trazidos por ele em um dos navios que o acompanhou para a Bahia e, depois, para o Rio de Janeiro, estão obras primas da Idade Média e primeiras edições publicadas, ainda, por Gutenberg. E não é só. Dom João também trouxe cartas de reis e rainhas. E uma relíquia. Verdade ou não, há quem diga que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui, em meio a 15 milhões de peças, os cachos dourados que pertenceram àquela que, depois de morta foi rainha, segundo Camões, Inês de Castro.

Descoberto no dia 22 de abril de 1500 (data que, por sinal, foi comemorada ontem, terça-feira) o Brasil passou três séculos (de 1500 a 1808) sem condições de transformar os brasileiros em leitores. A herança, como se vê, é terrível. E as consequências mais terríveis ainda. Comemorar o Dia Internacional do Livro em um país como este, portanto, é quase como comemorar algo que não existe ou, se existe, ainda não penetrou, totalmente, na alma do povo.  Um país, no entanto (era o que dizia Monteiro Lobato) se faz com homens e livros. Homens não faltam no Brasil. Nem mulheres encantadoras. Livro, no entanto, é para poucos. Pergunte à Valesca Popozuda, por exemplo, a Pensadora, se já leu algum livro na vida?

NATALÍCIO BARROSO
Da Redação


Fonte: Jornal O Estado CE

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