quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Aracati: Vinte anos dedicados à arte

Artistas plásticos comemoram 20 anos de carreira em exposição conjunta, no Centro Cultural do Crea/CE

Nos trabalhos de Silvano Tomaz, aquarela, colagem e grafite se unem à escrita para comunicar. "O que fiz foi incluir às minhas aquarelas palavras de incentivo, de possibilidades e de reflexão", afirma o artista plástico

Gerson Ipirajá, por sua vez, discípulo de Zé Tarcísio, investe no desenho e na gravura em preto e branco como forma de expressão da ancestralidade, do "registro primeiro do ser humano, sua passagem pelo planeta"



Trabalhar com arte, mantendo uma produção constante, original e fiel ao seu pensamento. Este desejo, partilhado por muitos artistas, vem sendo trilhado por uma dupla de artistas plásticos há duas décadas. Naturais de Fortaleza, Gerson Ipirajá e Silvano Tomaz percorreram caminhos diferentes para se descobrirem na arte, conquistarem o reconhecimento em sua terra e enviarem trabalhos para o exterior. A amizade de uma década, construída entre exposições e eventos, promoveu uma grata surpresa, no ano passado: o aniversário de 20 anos de dedicação às artes plásticas, que ambos comemoravam.


A coincidência resultou em uma exposição conjunta, reunindo 24 obras, doze de cada artista. "Identidade aos 20" estreou no Centro Cultural do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea/CE) em 17 de dezembro de 2014 e, recentemente, foi prorrogada até 28 de fevereiro deste ano. A entrada é gratuita.


A reunião dos dois trabalhos aconteceu depois de ambos planejarem exposições individuais. "O interessante é que somente depois a gente veio perceber que começou no mesmo período, em 1994", assume Tomaz.


Mesmo expondo juntos, eles optaram por confidenciar os quadros que criaram durante um ano, para o trabalho de um não influenciar o do outro. O resultado foi também surpreendente. "Os dois trabalhos têm um diálogo, quando colocados lado a lado, têm uma harmonia. A exposição foi pensada, do início ao fim, por nós dois. A ideia da montagem também, criando um diálogo do preto e branco com o colorido", pontua Ipirajá.


Em um mesmo espaço, desenhos feitos a bico de pena por Ipirajá, com traços e referências ancestrais, em preto e branco, rabiscados em 2003 e resgatados no ano passado, mantém uma ponte com as aquarelas coloridas, contemporâneas e críticas, acompanhadas de palavras e frases objetivas e provocativas, criadas por Tomaz, como em um encontro entre ancestral e contemporâneo.


Apesar de celebrarem seus 20 anos dedicados à arte, os quadros dos dois artistas não fazem uma retrospectiva das suas carreiras, e sim refletem as suas inspirações e anseios atuais.


Ipirajá


Apesar de conviver com os desenhos de moda da mãe e os tios membros da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), na infância, Gerson Ipirajá precisou deixar a Capital para se descobrir artista. Em Canoa Quebrada, Aracati, a cerca de 140 km de Fortaleza, Ipirajá teve contato, pela primeira vez, com as artes plásticas, através do mestre Zé Tarcísio, a quem auxiliou no seu ateliê e em trabalhos de cenografia.


Em 2000, ele deixa a sua "universidade autodidata" em Aracati e volta à Fortaleza. "A cidade pequena, às vezes, sufoca e chega o tempo em que a gente tem que se desfazer dos cordões umbilicais", afirma. Através de cursos e workshops, então, ele desenvolve as técnicas de desenho e gravura.


"O meu trabalho tem uma linha menos direta, é mais subjetivo. Eu trabalho com referências ancestrais, não ligadas a uma ideia mitológica da ancestralidade, mas ao registro primeiro do ser humano, à sua passagem no planeta", define o artista.


Após ganhar diversas premiações e expôr em todo o Brasil e em países como Itália, Portugal e Romênia, Ipirajá avalia que "permanecer 20 anos sendo artista neste Estado, com produção contínua e seriedade, é muito difícil". Uma das dificuldades é a financeira. Ele conta que, quando perguntado se vive da arte, afirma: "Não. Mas eu dou meus dribles na vida. Eu vivo para a arte". "Ser artista é uma busca. O registro da minha passagem no planeta é a minha obra", completa.


Tomaz


As referências propulsoras de Silvano Tomaz no mundo da arte, ainda na infância, na década de 70, foram a força e o apoio financeiro do pai e a demanda dos amigos por desenhos e pinturas, na escola.


Quando Tomaz levou o trabalho com a arte adiante, entretanto, sofreu uma resistência por parte do público, por não possuir uma formação acadêmica na área. "Quando eu percebi que as pessoas estavam cobrando isso de mim, eu fui estudar", conta. Em quatro anos, 2007, ele concluiu o curso de Bacharel em Artes Visuais da Faculdade Grande Fortaleza (FGF).


Mesmo contestando a exigência pelo "papel pendurado", como Tomaz define o diploma universitário, admite que a formação deu um salto em sua carreira. Além de ter suas obras ocupando grandes salões e eventos da terrinha, como o Salão de Abril, Tomaz também foi à Europa, expondo na Alemanha e na Espanha. Nessas duas décadas, o artista desenvolveu as técnicas de aquarela, colagem e grafite. Nos quadros que criou para a exposição "Identidade aos 20", inseriu um novo elemento: o texto. "O que fiz foi colocar palavras de possibilidades, de reflexão, de incentivo nas minhas aquarelas. Antes, não escrevia nos meus trabalhos. Mas confesso que sentia a necessidade de me comunicar com alguém que não entendesse minhas pinturas", comenta Tomaz. Em caracteres fortes, frases idem como "Cidade de Chumbo", "Arte Pra Que?" e "Quanto Você É?" enriquecem as cores e sobressaltam questionamentos ao público.


"Vinte anos passam muito rápido, chegar nessa etapa foi uma dádiva. O que me salvou para eu não entrar no caminho errado foi a arte. Eu jogo tudo para a tela, minhas angústias, indignações. Para daqui a 20 anos, se Deus me permitir, eu quero continuar fiel ao meu trabalho", completa Tomaz.


Mais informações:


"Identidade aos 20", de Silvano Tomaz e Gerson Ipirajá. No Centro Cultural do Crea/CE (Rua Castro e Silva, 81, Centro). Até 29 de fevereiro. Contato: (85) 3453.5800




Fonte: Caderno 3 – Diário do Nordeste (04// 02/ 15)

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