Gerson Ipirajá, por sua vez, discípulo de Zé Tarcísio,
investe no desenho e na gravura em preto e branco como forma de expressão da
ancestralidade, do "registro primeiro do ser humano, sua passagem pelo
planeta"
Trabalhar com arte, mantendo uma produção constante, original e fiel ao
seu pensamento. Este desejo, partilhado por muitos artistas, vem sendo trilhado
por uma dupla de artistas plásticos há duas décadas. Naturais de Fortaleza,
Gerson Ipirajá e Silvano Tomaz percorreram caminhos diferentes para se
descobrirem na arte, conquistarem o reconhecimento em sua terra e enviarem
trabalhos para o exterior. A amizade de uma década, construída entre exposições
e eventos, promoveu uma grata surpresa, no ano passado: o aniversário de 20
anos de dedicação às artes plásticas, que ambos comemoravam.
A coincidência resultou
em uma exposição conjunta, reunindo 24 obras, doze de cada artista.
"Identidade aos 20" estreou no Centro Cultural do Conselho Regional
de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea/CE) em 17 de dezembro de 2014 e,
recentemente, foi prorrogada até 28 de fevereiro deste ano. A entrada é gratuita.
A reunião dos dois
trabalhos aconteceu depois de ambos planejarem exposições individuais. "O
interessante é que somente depois a gente veio perceber que começou no mesmo
período, em 1994", assume Tomaz.
Mesmo expondo juntos,
eles optaram por confidenciar os quadros que criaram durante um ano, para o
trabalho de um não influenciar o do outro. O resultado foi também
surpreendente. "Os dois trabalhos têm um diálogo, quando colocados lado a
lado, têm uma harmonia. A exposição foi pensada, do início ao fim, por nós
dois. A ideia da montagem também, criando um diálogo do preto e branco com o
colorido", pontua Ipirajá.
Em um mesmo espaço,
desenhos feitos a bico de pena por Ipirajá, com traços e referências
ancestrais, em preto e branco, rabiscados em 2003 e resgatados no ano passado,
mantém uma ponte com as aquarelas coloridas, contemporâneas e críticas, acompanhadas
de palavras e frases objetivas e provocativas, criadas por Tomaz, como em um
encontro entre ancestral e contemporâneo.
Apesar de celebrarem
seus 20 anos dedicados à arte, os quadros dos dois artistas não fazem uma
retrospectiva das suas carreiras, e sim refletem as suas inspirações e anseios
atuais.
Ipirajá
Apesar de conviver com
os desenhos de moda da mãe e os tios membros da Sociedade Cearense de Artes
Plásticas (SCAP), na infância, Gerson Ipirajá precisou deixar a Capital para se
descobrir artista. Em Canoa Quebrada,
Aracati, a cerca de 140 km de Fortaleza, Ipirajá teve contato, pela
primeira vez, com as artes plásticas, através do mestre Zé Tarcísio, a quem
auxiliou no seu ateliê e em trabalhos de cenografia.
Em 2000, ele deixa a sua
"universidade autodidata" em Aracati
e volta à Fortaleza. "A cidade pequena, às vezes, sufoca e chega o tempo
em que a gente tem que se desfazer dos cordões umbilicais", afirma.
Através de cursos e workshops, então, ele desenvolve as técnicas de desenho e
gravura.
"O meu trabalho tem
uma linha menos direta, é mais subjetivo. Eu trabalho com referências
ancestrais, não ligadas a uma ideia mitológica da ancestralidade, mas ao
registro primeiro do ser humano, à sua passagem no planeta", define o
artista.
Após ganhar diversas
premiações e expôr em todo o Brasil e em países como Itália, Portugal e
Romênia, Ipirajá avalia que "permanecer 20 anos sendo artista neste
Estado, com produção contínua e seriedade, é muito difícil". Uma das
dificuldades é a financeira. Ele conta que, quando perguntado se vive da arte,
afirma: "Não. Mas eu dou meus dribles na vida. Eu vivo para a arte".
"Ser artista é uma busca. O registro da minha passagem no planeta é a
minha obra", completa.
Tomaz
As referências
propulsoras de Silvano Tomaz no mundo da arte, ainda na infância, na década de
70, foram a força e o apoio financeiro do pai e a demanda dos amigos por
desenhos e pinturas, na escola.
Quando Tomaz levou o
trabalho com a arte adiante, entretanto, sofreu uma resistência por parte do
público, por não possuir uma formação acadêmica na área. "Quando eu
percebi que as pessoas estavam cobrando isso de mim, eu fui estudar",
conta. Em quatro anos, 2007, ele concluiu o curso de Bacharel em Artes Visuais
da Faculdade Grande Fortaleza (FGF).
Mesmo contestando a
exigência pelo "papel pendurado", como Tomaz define o diploma
universitário, admite que a formação deu um salto em sua carreira. Além de ter
suas obras ocupando grandes salões e eventos da terrinha, como o Salão de
Abril, Tomaz também foi à Europa, expondo na Alemanha e na Espanha. Nessas duas
décadas, o artista desenvolveu as técnicas de aquarela, colagem e grafite. Nos
quadros que criou para a exposição "Identidade aos 20", inseriu um
novo elemento: o texto. "O que fiz foi colocar palavras de possibilidades,
de reflexão, de incentivo nas minhas aquarelas. Antes, não escrevia nos meus
trabalhos. Mas confesso que sentia a necessidade de me comunicar com alguém que
não entendesse minhas pinturas", comenta Tomaz. Em caracteres fortes,
frases idem como "Cidade de Chumbo", "Arte Pra Que?" e
"Quanto Você É?" enriquecem as cores e sobressaltam questionamentos
ao público.
"Vinte anos passam
muito rápido, chegar nessa etapa foi uma dádiva. O que me salvou para eu não
entrar no caminho errado foi a arte. Eu jogo tudo para a tela, minhas
angústias, indignações. Para daqui a 20 anos, se Deus me permitir, eu quero
continuar fiel ao meu trabalho", completa Tomaz.
Mais informações:
"Identidade aos
20", de Silvano Tomaz e Gerson Ipirajá. No Centro Cultural do Crea/CE (Rua
Castro e Silva, 81, Centro). Até 29 de fevereiro. Contato: (85) 3453.5800
Fonte: Caderno 3 – Diário do
Nordeste (04// 02/ 15)
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