Os bilros vão passando um em cima do outro,
seguindo alguma lógica difícil de acompanhar, e a conversa flui. As linhas
compõem o entrelaçado enquanto os olhos de Maria de Lourdes de Souza, 68, por
segundos sequer vão na almofada onde a renda vai se mostrando. O talento é tão
evidente quanto a beleza da peça. Mas a beleza não passa sozinha. Fazer renda
é, sobretudo, resistir.
Traz junto olhos cansados, corpos doídos,
muito tempo dedicado a um único produto. Por vezes, meses inteiros - ao que o
dinheiro não é tão proporcional. A renda carrega a força das artistas
experientes, mas quase nenhum exemplar de nova geração. São histórias que
permanecem na Prainha, em Aquiraz, reduto dessa cultura cearense e da
persistência.
Tal qual as autoras dos bordados do especial
Natais por Francisco, publicado no último dia 24 no O POVO, as rendeiras da
Prainha costuram suas narrativas entre habilidades, fé e coragem. No mar, o
caminho era dos homens, pescadores. No chão, as mãos femininas ensinavam a
prática de avó para mãe, entre filhas e primas, tias e irmãs.
Todas, quase sempre desde os sete anos,
mantêm intimidade com os bilros, feitos da haste da madeira e da semente de
buriti (“que tá acabando, a gente tem que encomendar”), com as almofadas
forradas de folha de bananeira (“que tão acabando”) e com os espinhos de mandacuru
- adivinhem, também em falta. Maria de Lourdes narra que antigamente vender a
renda era difícil. “O trabalho hoje é mais reconhecido. Já ensinei duas
bolivianas, uma japonesa, gente de São Paulo, que veio só pra aprender”.
“É muito dura a vida, mas eu gosto. A gente
cria força de vontade”, conta Olenir Vieira, 63. “Minha mãe projetou nos filhos
o que não pôde ser. Ela vivia no meio de pessoas cultas, então sempre estimulou
os estudos ao mesmo tempo em que ensinou a renda às filhas”. Hoje, o funcionalismo
público é memória, enquanto ser rendeira perdura no cotidiano.
A hereditariedade também se fez presente na
vida de Eveline da Costa, 47, a mais velha dos nove filhos, mas quem alumiou
foi a avó, pois a mãe não teve condição de criar todos. Os estudos foram
interrompidos na oitava série, porque não dava para conciliar com o trabalho.
Outros ofícios foram tentados ao longo dos anos. “Mas a minha profissão era a
renda e vou continuar fazendo até Deus mandar me buscar”.
Entre os trabalhos de linha fina - mais
delicado, demorado e específico - e os de linha grossa, entre a linha branca e
a colorida, o desafio, conta Olenir, é promover a atualização. “Nós começamos a
transformar. Tem que perceber as tendências, diversificar produtos, fazer
cursos. Muitas não gostam, mas têm que se renovar”.
Na Associação das Rendeiras da Prainha,
Eveline é das mais novas, e a idade já quase bate na casa dos 50 anos. “As
filhas aprendem, mas elas têm outros sonhos, e devem ter os próprios sonhos.
Sinceramente, é preocupante porque você não vê uma jovem sentada na almofada
pra trabalhar. Aprender é uma coisa, continuar é outra”, descreve.
No mesmo chão de areia em que Eveline narra a
inquietude, Yasmin, 8, de férias, insiste no pedido para a avó Maria de
Lourdes. “Todo dia ela diz: ‘vó, faz essa almofada e bota logo esses bilros que
eu quero fazer renda’. Quando ela aprender, não sei se vai fazer, mas eu vou
ensinar”. É quando as rendeiras bordam resistência.
SAIBA
MAIS
As narrativas de Maria de Lourdes, Olenir e
Eveline se misturam à história do Centro das Rendeiras Luíza Távora. É onde
chegam às oito da manhã e ficam até cinco da tarde; onde produzem, vendem,
almoçam, fofocam. Mas a estrutura há anos é precária. Hoje se resume a alguns
barracos que elas mesmo ergueram.
De acordo com o titular da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), Josbertini Clementino, a fase atual do projeto é de conclusão da licitação. As obras, estima, seriam concluídas até o primeiro semestre de 2015. “Arquitetonicamente é diferente do Centro de Rendeiras Mirian Mota, no Iguape, mas mantém a característica de ser um centro de comercialização e produção”.
De acordo com o titular da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), Josbertini Clementino, a fase atual do projeto é de conclusão da licitação. As obras, estima, seriam concluídas até o primeiro semestre de 2015. “Arquitetonicamente é diferente do Centro de Rendeiras Mirian Mota, no Iguape, mas mantém a característica de ser um centro de comercialização e produção”.
Reveja
o especial Natais por Francisco http://especiais.opovo.com.br/nataisporfrancisco/
Fonte: Domingo – Jornal Opovo (28/ 12/ 14)
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