Por Cleide Bravo, de Aracati - CE
A
exploração comercial e os trabalhos vendidos a baixo custo por quem não tem
tanta técnica prejudicam os criadores
Aracati. A
natureza pode mudar e até ficar menos bela, mas não nos desenhos com areias
coloridas da Praia de Majorlândia. A arte de desenhar a natureza com ela
própria chega ao meio século de existência desde as primeiras criações no
litoral de Aracati. Ganhou o mundo, mas não com a valorização esperada por seus
artesãos.
Nos
grandes centros turísticos comerciais do Nordeste, a peça de souvenir custa
caro, mas a cor do "preço justo" não chega até os próprios criadores
das peças. De uma maneira singular, eles reproduzem paisagens, símbolos e até
fotografias. São aplaudidos, admirados e parabenizados. Mas elogio não enche
barriga, e barriga seca não colore a alma. E se pudessem colocar a vida numa
garrafa de vidro, talvez não existissem tantas cores.
Ao
todo, são 12 tonalidades naturais, as outras são coloridas artificialmente. A
fonte são as dunas e falésias de Majorlândia. Antônio Marcos, o
"Tonico", nunca foi pescador. Porém, como eles, acorda cedo e vai à
praia. Ao contrário deles, não olha para o mar, e sim para a praia. Para ondas
de areia em diversos tons.
Feito
redes de pesca lançadas ao mar, leva as garrafas vazias em busca da
matéria-prima. É a rotina de muitos outros artesãos, que podem não ser tantos
assim, para uma arte que já dura meio século. São pelo menos 26
"desenhistas" de areia. Contudo, nem todos são como Tonico, que é
neto de Joana Carneiro, reconhecida como a pioneira das garrafas multicores nos
anos 50.
Na
história que corre entre os familiares e moradores da cidade, dizem que a
senhora se resolvia com a solidão catando areias coloridas em garrafas,
enfileirando cores por trás do vidro. Num descuido, uma das garrafas virou e a
mistura de cores pareceu formar um desenho. Foi a luz da criatividade
acendendo. Os filhos, netos e bisnetos de dona Joana são, até os dias de hoje,
seguidores dessa arte.
Resistência
Tonico,
antes mesmo de crescer, já observava o pai e os tios criando os lindos
desenhos, enquanto ouvia a história da avó, humilde mulher de pescador que
nunca saiu de onde mora e, atualmente, tem o nome correndo pelo mundo. Mais do
que isso, tem a mistura de areias coloridas adornando os mais diversos lugares.
"A família vai aprendendo e vai levando a arte para os seus
descendentes", afirma Tonico, em tom reverente. Entre os anos 80 e 90, a
arte em areias coloridas ganhou o mundo. Especialmente turistas europeus faziam
encomendas das peças para levar aos seus países, como Itália, França e
Alemanha.
Esses
conhecem, há muito, o artesanato "made in Aracati". A produção nunca
parou, mas a venda é fraca. Mesmo assim, é comum os artesãos estarem na
atividade desde criança. Raramente desistem.
Missão
Para
o artesão José Luciano Maciel, despontar o talento para o desenho em areias
coloridas foi descobrir também uma de suas missões na vida. A outra missão, de
acordo com ele, é ensinar a humildade (e desenhos) ao filho Lano, que tem 11
anos.
O
menino nasceu vendo o pai engarrafar areia. Como outros da sua idade, após o
horário da escola, vai brincar de bola com o sonho de ser um jogador de futebol
quando crescer. O pai não quer intervir nos sonhos do garoto, mesmo acreditando
que é uma "coisa de fase".
Contudo,
não quer ver o menino com notas baixas na escola. Quando isso começou a
acontecer, Luciano decidiu ensinar a arte com areias ao filho. "Isso aqui
traz disciplina, paciência. Ajuda a pessoa a ser humilde", explica
Luciano.
Ele
não exige que o filho vire um artesão, mas entende que, se ele souber como o
pai coloca o comer dentro de casa, fica mais fácil de um dia ajudar a valorizar
a atividade. E nem terá vergonha de dizer que é filho de artesão. Aos sábados,
Luciano monta a sua mesa na Praia de Majorlândia, em Aracati. O filho observa a
movimentação atenciosamente e ajuda ao pai em um ou outro favor.
Preços
Logo
cedo chegam levas de turistas, a maioria do Ceará e do Rio Grande do Norte,
que, embora em menor escala, também produz esse tipo artesanal. As peças variam
de R$ 3 (um chaveirinho) a R$ 100 (garrafa de 1,5 litros com desenhos bem
detalhados). O modelo tradicional, uma garrafinha que cabe na palma da mão,
pode ser comprada por R$ 10. Os atravessadores chegam a vender por R$ 40 em
outros Estados.
Não
bastasse a concorrência com a exploração comercial, os artesãos de Majorlândia
encontram outra areia no meio do caminho. Os desenhos pouco elaborados e
esteticamente primários, vendidos a baixo custo, estão prejudicando o trabalho
de quem produz materiais com mais detalhes.
"Eu
faço uma peça a R$ 12 e, do mesmo tamanho, tem gente que faz desenhos sem muita
elaboração e vende a R$ 7, não valoriza o próprio trabalho e prejudica o
nosso", destaca Antônio Marcos, neto da criadora da arte de desenhar com
areia.
Acredita-se
que a primeira pessoa a produzir desenhos com areias coloridas em Aracati foi
Joana Carneiro, ainda na década de 1950
Entre
os anos 80 e 90, a arte em areias coloridas produzidas na cidade ganhou o
mundo, haja vista a compra por turistas de diversos países
Ciclogravura
Obra
teria se iniciado no CE
Chama-se
ciclogravura a produção artesanal de desenhos com areia colorida em garrafas. A
história tradicional aponta Joana Carneiro como a iniciadora do engarrafamento
de areias coloridas para fazer desenhos.
Há
outros registros que apontam a existência da atividade em países árabes, como a
Jordânia, mas não é possível dizer se lá começaram, uma vez que as areias
naturalmente coloridas são mais encontradas no litoral de Aracati. Antes, as
figuras eram simples, apenas variações geométricas de cores sobrepostas.
Depois
a atividade foi aperfeiçoada pelos próprios filhos de dona Joana. Antonio
Carneiro, o "Toinho da areia colorida", é o filho mais conhecido a
seguir a arte desbravada pela mãe. Mesmo idoso, ainda desenha e também cria
belas esculturas nas areias das falésias, o que chama a atenção de quem passa
pelo lugar. Paisagens do litoral são a ilustração mais comum nas garrafas
(também são usadas taças, tulipas e copos de vidro). Para uma paisagem em
garrafa de 15 centímetros, leva-se até duas horas de produção. No caso de
reprodução de fotografia, a obra leva até cinco dias para ficar pronta. Os
artesãos com mais técnica desenham com traços finos e direito, até com
sombreamentos. Os artesãos de areia podem ser facilmente encontrados na vila da
praia de Majorlândia, no Município de Aracati, no Vale do Jaguaribe.
Desde
sua criação, essa obra é bastante difundida aqui no Nordeste, principalmente no
Rio Grande do Norte e Ceará, berço de seu criador, onde diversos artesãos
ganham seu sustento com a produção e venda dessas peças. Seus principais pontos
de vendas são os quiosques próximos às praias, em mercados de artesanatos,
centros turísticos etc., além de serem exportadas para o centro-sul do País e
até mesmo para o exterior.
Centro
de vendas pode ser a solução
Aracati
A relação concreta do artesanato com o apoio se dá por meio da clientela. Quem
não apenas compra, divulga entre os amigos a arte, para estimular e valorizar a
atividade nos povos do mar. Os artesãos reclamam dos preços injustos e levam
uma vida financeiramente difícil, mesmo sendo detentores de uma atividade que
exige uma grande técnica.
Está
em discussão a reativação da Associação dos Artesãos de Areia de Majorlândia.
Querem encontrar uma forma de captar recursos e criar um centro de vendas, de
Aracati para o mundo, sem a participação de atravessadores. Será também uma
forma de buscar a produção mais sustentável, sem prejudicar as falésias.
Existem
pelo menos 26 artesãos de areia em Aracati. A vila praiana de Majorlândia é o
maior reduto. Foi lá também que nasceu Joana Carneiro, idealizadora da arte,
conforme seus familiares. A prática se espalhou e não é difícil localizar onde
mora um artesão de areia na região.
Nos
fins de semana, principalmente, boa parte está na praia expondo, vendendo e
fazendo o que o cliente pede. A turista Natália Costa encomendou uma obra e, na
mesma manhã, recebeu a taça de vidro com a paisagem do litoral cearense
desenhada em areia e com seu nome inscrito.
Valorização
O
trabalho foi feito por Paulo Mendes de Sousa, outro artesão. Ele tem 34 anos,
mas há quase três décadas lida com areia colorida. Um dia foi brincando, até
crescer e viver disso. "Às vezes, as pessoas não entendem e reclamam
quando a gente cobra, não valorizam o trabalho. Não é qualquer um que
faz", pontua.
Os
artesãos de areia produzem e vendem cada um ao seu modo. O trabalho é
individual desde a extração de argila e areia, próximo às dunas e falésias.
Essa prática deixa de "orelha em pé" ambientalistas e alguns
moradores. Isso porque as falésias são construções naturais existentes há mais
de um milhão de anos, e a extração irregular pode comprometer a própria fonte
de matéria-prima dos artesãos. Por isso, além das 12 tonalidades naturais, eles
agora investem na coloração artificial.
Para
os fundadores, o associativismo pode estimular a produção regular e,
especialmente, a valorização da atividade. Seria um centro de vendas não só
para reunir as peças em Majorlândia, mas para vender as obras para todo o
mundo, inclusive na internet. Tudo administrado pelos próprios artesãos.
A
reportagem encontrou no site de compra e venda Mercado Livre uma peça similar
às produzidas em Majorlândia, vendida pelos próprios artesãos ao custo de R$
10. Na Internet, um vendedor de São Paulo oferece a peça por R$ 50. Os produtos
também são encontrados a preços inflacionados em Fortaleza, bem como em
aeroportos.
Diversidade
12
tonalidades
naturais de areia são utilizadas pelos artesãos da Praia de Majorlândia. Eles
também trabalham com cores artificiais. São cerca de 26 artistas na região
Para
o artista José Luciano Maciel, morador de Aracati, descobrir o talento para
desenhar com areias coloridas foi encontrar também uma das missões de sua vida
FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR
MELQUÍADES
JÚNIOR
REPÓRTER
Mais
informações: Areias coloridas de Majorlândia Telefones:
(88)
9657.1240 (Antonio Marcos)
(88)
9683.6376 (José Luciano)
(88)
9654.3908 (Paulo Mendes)
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