sábado, 19 de abril de 2014

Aldeias fazem reflexão sobre data

Existem ao menos 14 grupos étnicos indígenas no Ceará espalhados em 18 municípios

Num dia como hoje, índios estão reunidos, alguém está pescando, cozinhando, fazendo orações ao Pai Tupã ou terminando um capítulo da dissertação de mestrado acadêmico sobre identidade territorial e povos tradicionais. É um dia normal, o 19 de abril, nas 14 etnias indígenas espalhadas em serra, sertão e litoral do Ceará. Mais de esclarecimento à sociedade sobre a carência de direitos essenciais do que comemoração propriamente dita. É mais um dia na afirmação de identidade.

Não assusta, tampouco estranha, a possível indagação (do leitor, inclusive) sobre quem são esses índios do Ceará "que eu não vejo". Isso porque nos últimos dois séculos, diversos relatórios oficiais de governo, inclusive decretos, negavam a permanência indígena em solo cearense. Mesmo quando Ceará se chamava Siará, um nome puramente indígena - foi essa a conclusão dos historiadores Capistrano de Abreu, João Brígido e do escritor José de Alencar.
Desde que negar a existência virou regra para negar os direitos, os índios do Ceará buscaram fortalecer os aldeamentos e o próprio autoreconhecimento como forma de sobrevivência. É o que ocorre especialmente nas últimas duas décadas.

Longe do estereótipo do índio nu e primitivo, como se fossem seres descobertos só nos confins de uma Amazônia imaginária, o processo de luta por direitos vem antes e durante a difusão do conceito de que a etnia é uma delimitação cultural, muito além de uma cor de pele, modo de falar ou se vestir. "Ser índio vem da alma", afirma o líder Weibe Tapeba.

Memórias

A identidade indígena foi percebida com valores comunitários que já eram tradicionais, transmitidos pela oralidade, nos rituais, nas canções, lendas e na própria relação com a natureza. Em outras palavras, a conexão da memória com os costumes dos avós e bisavós fez muitos cearenses chegarem à conclusão: " sou índio". Teve reinício o toré (e torém, nos índios tremembé), uma dança que é verdadeira celebração da natureza, dos seres encantados da floresta, da conexão com a ancestralidade. Com pé enterrado no chão, penas na cabeça, maracá na mão, a celebração está por todo o Ceará: Kalabassa, Jenipapo-Kanindé, Pitaguary, Potiguara, Tremembé, Tabajara, Tapeba, Kariri, Kanindé, Anacé, Tupinambá, Tubiba-Tapuia.

De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), são 28.895 pessoas nos municípios de Poranga, Aquiráz, Crateús, Itarema, Itapipoca, Acaraú, São Gonçalo do Amarante, Maracanaú, Pacatuba, Monsenhor Tabosa, Tamboril, Boa Viagem, Crateús, Novo Oriente, Quiterianópolis, Crato, São Benedito e Caucaia. Vivem em sua maioria nas periferias dessas cidades, o que impõe aos índios cearenses uma acúmulo de marginalização: falta saneamento, posto de saúde, escolas, emprego formal, necessidades que extrapolam os grupos étnicos, mas falta o respeito ao território e às singularidades culturais indígenas. Dentre os problemas listados por Weibe Tapeba, presidente da Associação dos Índios Tapeba, no município de Caucaia, estão a falta de segurança e de atendimento em saúde. A primeira se daria pela dúvida de qual Polícia tem a competência de proteger os índios, se Militar e Civil ou Polícia Federal.

No dia 9 de abril, cerca de 180 indígenas de quatro etnias ocuparam a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) porque ainda não foram iniciadas ações do Plano Distrital de Saúde Indígena, criado em 2012, entre eles instalação de postos de saúde.

Demarcação

De 20 territórios indígenas espalhados pelo Ceará - e de conhecimento da Funai, apenas um o Córrego do João Pereira, entre os municípios de Itarema e Acaraú, teve a demarcação homologada - estágio final do reconhecimento jurídico da terra. "Faz muito tempo que estamos nesta luta, pela nossa Mãe Terra, nossos antepassados nasceram e se criaram aqui, como nós, mas ainda reivindicamos o direito pela terra", afirma Juliana Alves, a Cacique Irê, líder da comunidade Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz. No início do mês, sua aldeia promoveu a Festa do Marco Vivo, uma das maiores celebrações culturais do Ceará. Aquele momento já era dia de índio.

Melquíades Júnior
Repórter


Fonte: Diário do Nordeste

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